Pessoas que
realmente importam deixam rastros, marcas profundas no chão da nossa
existência. Sulcos ficam na lama pós-tempestade. E esses rastros, mesmo após a lama secar, não
se apagam jamais. São guias e a eles
devemos seguir.
Mas até chegar
a percebermos isso muita coisa acontece:
Primeiro vem
a noticia! O impacto, a surpresa. O absurdo! Essa pode ser dada de forma brusca
ou suave. Pode seu mensageiro usar de
todo o tato e destilar toda a sua verbosidade no sentido de amenizar a situação,
ou soltar o verbo de forma rude e direta...
Tanto faz o faleceu ou o morreu,
impactam. Como se algo se partisse dentro daquele que a recebe. O mundo cai,
parece que uma nuvem densa se projeta
logo acima de nós. Tudo fica escuro, uma tempestade de vento e granizo, o
desespero se avizinha uma chuva acida e
torrencial desaba. Como se todas as
luzes em volta estivessem sendo apagadas. Tudo fica sombrio. Nos fechamos para
o lado alegre da vida.
Demora um
tempinho, embora a maior parte das vezes
ele seja mínimo, poucos segundos para
que a mensagem ultrapasse os limites da razão e atinja o âmago do ser, se
espalhando pelo terreno da emoção. Primeiro pensamos sobre o fato, depois o sentimos de forma profunda
e consequentemente fazemos mil conjecturas sobre ele.
Então o drama
se faz dentro da gente! Um turbilhão de pensamentos vem invadir e a imaginação
viaja por todos os lados.
A vida se
esvai de nós como a areia fina escapa da
mão e se perde ao vento. E tudo o que se diz sobre a efemeridade e a
fragilidade da nossa existência é assustador.
Tudo parece
ter sido tão rápido! Tantos anos vividos que passaram tão
depressa! E nem os percebi. Perdi-me na rotina e na doce ilusão de que
tudo seria eterno que deixei para viver depois, para amar depois, para
valorizar depois. Mas quando é esse depois? Talvez não tenha parado pra sentir.
Para registrar os momentos, para saber que estavam aqui.
Tantos bons momentos à minha disposição, mas
pareço ter passado batido em muitos.
Culpas,
indagações cogitações. Tudo isso tenho agora diante desse fato que amedronta a
todos nós e que é o destino inevitável
de todo ser vivente.
Momentos que
se foram agora os quero , os quero
todos. Abraçar o afeto que não abracei, ou não tanto quanto deveria. Agora que não
os tenho, os quero.
A vida é
mesmo engraçada. Carregada de contradições. Sabemos da morte, mas a afastamos
de todas as formas do pensamento e não vivemos como se fossemos morrer, e
muitos morrem sem terem vivido de verdade.
Então vemos
os rastros de vida deixados. Pedaços de momentos perdidos na areia do tempo. Ah me lembrei daquele dia... Daquele tempo em
que éramos felizes... Daquela tarde de domingo... Daquela noite fria... daquilo que ela me disse... Aquele dia lá em
casa, hummm “tava tão bão”... e naquele aniversário que farra nós fizemos... a
festa de casamento ...se pudesse voltar... Não volta mais, nunca mais... Ah ainda posso ouvir aquele sorriso que não
mais ouvirei, também viajou para o terra
do nunca mais. Ainda rio daquela piada
que ela contou e que riu também. Ouço aquela voz... Ora mas que coisa estranha!
Se aquela voz já não existe mais, se aquelas cordas vocais já não tinem
exalando aquele som tão aconchegando carregado de carinho, como ainda a
posso ouvir? Ouço, está aqui, ainda atinge os meus ouvidos. E aqueles olhos
brilhantes que em alguns momentos se encontravam com os meus, tinham um brilho
que vinha de longe trazendo toneladas de amor encontradas no meio dos caminhos.
Olhos que tudo diziam, se declaravam sem nenhum receio. Tudo está aqui, eu sinto, eu vejo, eu toco.
Os meus sentidos estão aguçados para tudo o
que se refere a ela, e hoje vejo coisas que não via e sinto o que não sentia. Sim, até sinto que ainda posso tocá-la, sinto
sua pele, suas mãos segurando as minhas, sinto a textura o calor do seu toque.
Tudo está aqui. Pedaços de vida estão aqui, pedaços perdidos jogados ao vento, rastros
de toda uma linda caminhada.
Todo aquele
que morre não morre de todo. De certa forma ainda vive. Eles deixam rastros, e
esses rastros são na verdade sua presença que continua entre nós. Ela se foi,
passou para outra dimensão, para um
lugar onde mesmo aqueles que têm todas as respostas não sabem responder onde
fica. Está no mais profundo dos mistérios.
Mas posso senti-la toda vez que fecho os olhos e pareço ouvir o som de sua voz,
no carinho deixado, no conselho dado naquele momento difícil. Em tudo isso ela está viva. Naquela frase que de alguma
forma nos ajudou, ela está viva. Vive no exemplo, vive na nossa risada toda vez
que a lembrança nos conduz àquele momento feliz junto a ela. Vive o tempo todo
aqui dentro de mim, me alegrando por saber que a tive e que isso foi
maravilhoso. Vive na oração, quando onde acima de tudo agradeço a Deus por ter
me permitido conviver com ela e ter me concedido o maravilhoso presente da sua
presença em meu viver. Não. Não morreu.
Todo seu legado aqui está. Ela vive.
Talvez essa
seja a verdadeira eternidade, a eternidade do carinho que permanece, a
eternidade do sorriso que damos quando dela lembramos. Não! Essa historia de
morrer é algo muito relativo. A vida vai muito além de uma urna funerária, de
um tumulo inerte. A vida pulsa nos
gestos, nos carinhos em todo o universo que ela deixou em nós. E se derrama em
amor e em saudade. A vida se refaz na
nossa capacidade de amar e de perpetuar um amor que parecia efêmero, mas que
ultrapassando todos os conceitos e as convenções, não morrerá jamais.
Alguns acreditam numa
continuação da vida num outro plano, outros não, mas de qualquer forma eles serão
eternos em nossas lembranças. Respeito os que não acreditam, mas eu creio que
um dia nos reencontraremos. E imagino que será numa bela manha de céu
deslumbrantemente azul, de um sol ameno
e acolhedor. E esse sol irá aos poucos enxugar o pranto que desce por nossos
rostos. Soprará uma brisa suave e gostosa e essa brisa trará o perfume dela,
primeiro de forma tênue, disfarçada, depois vai se acentuando. Então
enxergaremos um ponto lá longe, uma
estrela que começa a brilhar, e seu brilho vai se intensificando, e vemos então
aquele pontinho aumentando... está vindo em nossa direção. Já a podemos
reconhecer. E que alegria! Aquela estrela que agora brilha intensamente é ela,
aquela pessoa, aquela que nos foi tirada, está voltando para nós. Aquele é o
momento mágico do reencontro. E como num comercial de tv, começamos a correr em
câmara lenta, com uma musica suave ao fundo. E por onde vamos passando, flores vão se abrindo, e a brisa nos traz um
perfume de felicidade. Um delicioso perfume. Então nos aproximamos e o abraço acontece.
Intenso, profundo, impactante,
descarregando um caminhão de saudade. Ah como é bom voltar a abraçar! Abraço acolhedor, capaz de apagar toda a dor e
fazer desabrochar a flor perfumada da felicidade e do eterno reencontro.
Então gritaremos de alegria ao percebermos que; dor, medo, insegurança, tudo
isso já é coisa do passado. E seremos
para sempre parceiros, e o fim já estará vencido. Eu creio, tenho o direto de
crer e imaginar o dia que vamos nos reencontrar para uma felicidade eterna.
Enquanto esse
dia não chegar eu continuo acreditando na beleza dos rastros no chão e tendo a
certeza de que os momentos vividos ao
lado daquela pessoa tão especial são eternos. Não ela não se foi, apenas uma
parte não mais posso ver nem sentir, mas
ela está entranhada em nós. Vivendo conosco na lembrança, no sorriso, nos
exemplos no legado... Em todos os momentos
E essa
tristeza que agora mora em mim é a certeza de nada foi em vão. Houve amor,
houve afeto, se não, não sentiria toda essa ausência. Ela faz falta porque valeu à pena tê-la aqui.
E devo agradecer a Deus pela sua presença e por ter permitido tê-la por alguns anos. Percebo a sua existência
como um maravilhoso presente dado por Deus. Um anjo a mim emprestado, que veio,
mudou minha vida para melhor e depois se foi. Anjos voam é assim que acontece.
Um viva por essa maravilhosa existência.
Não nos esqueceremos
de tudo o que deixou.
Os rastros
ficaram.