Moro em cidade de interior e aqui ouço os galos cantando na madrugada, alguns cantam lá de bem longe, outros estão aqui nos terreiros vizinhos, tem até o pequeno garnisé que fica aqui no meu quintal. Eles fazem a sinfonia do amanhecer, um coro bem sincronizado. Conversam cantando. Um canta o outro responde e assim vai até que o dia venha e cale por algum tempo suas vozes. Despertadores naturais, seresteiros das madrugadas, menestréis do sereno, cantando odes à aurora e brindando ao novo dia. Fazem a ponte entre o escuro e o claro, cordas vocais que vibram no degradê vermelho e amarelo, transição entre dois mundos, o sono o despertar, o claro o escuro. São os eternos vigilantes da madrugada. Mas o que guarda aquele canto? Qual mistério está escondido naquele som um tanto quanto desafinado, desajeitado e esquisito? Não existe ali o trinado harmônico e sereno de pássaros canoros, aqueles que dobram seu cantar enchendo o ar de notas bem combinadinhas, que acariciam os ouvidos da gente.