TEXTOS

MÚCIO ATAIDE


 

Sizo com  Sizo

Sizo, que apesar do nome era sem juízo na ponderação e desprovido de parcimônia  gostava de cobrar muito das pessoas, exigia perfeição. Se alguém não  fizesse as coisas certinhas para ele, logo condenava aquela pessoa de incompetente, incapaz ou desonesta.

Até que um dia cometeu um deslize, então viu que vinha cobranças sobre si...

 Pediu a clemência que nunca teve, a compreensão que não plantou, e defendeu-se dizendo não ser perfeito, evocava a  ausência da perfeição, aquela mesma que cobrava nos outros.

Não deu certo. Soube bem o que era estar do outro lado.

Sizo criou sizo e deixou de lado essa coisa ridícula de perfeição.  

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REZA RIMADA

O aprendiz de poeta ia seguindo a procissão, passando por ruas estreitas, em frente aos casarões seculares da pequena cidade. Vendo umbrais enfeitados com imagens de santos, tapetes e flores. Encanta-o tudo isso  e ao invés de rezar as rezas comuns que todo mundo reza, ia recitando em versos. Fazendo súplicas, clamores rimados ao Senhor dos Passos que estava ali bem ao seu lado. A imagem representando um Jesus todo chagado o inspirava, porque toda inspiração para a poesia ou para os aprendizados da vida vem do cotidiano do simbolismo, das situações do dia a dia. Diante delas podemos aproveitar para crescer evoluir e também para fazer arte. É o que ele fazia naquele momento. Seus poemas mentais em forma de oração o faziam até sentir-se o próprio Cristo carregando aquela cruz. E ao mesmo tempo aquele solidário discípulo que caminha junto e toma as dores.

Além, disso rezava rimado  pedindo a sorte:

 

Senhor dos passos meu amigo

Vem  guiar o meu viver

Para caminhar contigo

Até o dia de morrer 

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OUTONO VIAGEM

 

Era  outono já chegava e as manhã já não eram tão quente. Já se podia ver pelo ar  aquele gostoso misto de frio e calor, era a mão do tempo agindo e fazendo a mudança de forma gradativa e serena.

Ele se preparava para uma grande jornada, talvez algo pequeno para muitos, mas para ele era uma missão extraordinária. A cinzelava e guardava. Não, não podia revelar a ninguém e nem aos leitores desse texto vou revelar.

Cabe lembrar que cada um tem os seus segredos suas epopeias e lutas, seus feitos  heroicos muitas vezes secretos e ele também tinha, prestes a empreender aquelas viagem àqueles mundos precisava manter o segredo e isso além de o fortalecer o instigado. Era algo seu, unicamente seu. Uma coisa guardada, aguardada e sonhada.

Postou-se diante do sol ameno da manhã de março, abriu os braços e deixou sair de si todo o medo e tensão que habitavam em seu corpo. A vida começava ali, era onde as coisas se engrenavam e onde tudo fazia sentido.

Ser um ser mágico visitando mundos mágicos  era bom demais. 

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PRESENTES.

A mesa era larga, a festa rolava solta,  todos felizes. Muitos da família marcavam presença. Muitos estavam presentes e muitos trouxeram presentes. Alguns não puderam vir, outros deram desculpas esfarrapadas e outros marcavam A AUSÊNCIA.  Aquela ausência que machuca.

 Parabéns à  aniversariante. Comemoremos a vida e que essa data se repita por muitos e muitos anos com todos sempre PRESENTES.   

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O VERDE 

Marina escrevia em sUA autobiográfica enquanto lembrava do pai.  

"Eu olho e vejo os campos floridos e lembro de papai e dos velhos tempos. Eu achava que seus olhos verdes completavam a beleza desses campos. Mas agora tem menos cor por aí tudo parece incompleto, inacabado. O verde daqueles olhos tinham mais vida que toda essa mata. Reluziam quando uma lágrima perdida os banhavam, vindas da emoção do meu velho ao contemplar a beleza desse lugar. 

Aquele verde trazia uma poesia de muito longe e nunca mais volta a brilhar. 

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CAVALGADURA BÍPEDE.

Joaozinho era carroceiro  e de vez em quando batia no cavalo velho.

Depois de muito tempo percebeu a crueldade, então  começou a chicotear a si próprio. E o fez várias vezes, ritual de mortificação e autoflagelação.  Queria assim pagar o seu pecado, sentindo o mesmo que o animal. Como se estivesse na pele dele.

 O curioso é que ao fazer isso relinchava igualmente ao equino.  

Grande ator esse rapaz. Entrou deveras no personagem.

Cavalgadura bípede. 

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DUAS SENHORAS.

Antônio pegou a motoneta e saiu pela estrada, estava muito apreensivo ao fazer aquela viagem. Era a primeira grande viagem que fazia na pequena moto. Tinha medo do trânsito na rodovia movimenta. Vai que uma carreta resolve passar por cima dele, ou um acidente aconteça. Não estava acostumado e o youtuber motoqueiro havia alertado; Biz não é para rodovias. Mas mesmo assim arriscou-se.

Em certo momento uma senhora de cabelos desgrenhados aproximou-se dele numa moto transparente e reluzente e disse: — Vá, acelere, não tenha medo. Era  dona Ousadia que adora velocidade e aventura.

Então acelerou e sentiu o vento soprando sobre si, fez o pequeno veículo quase levantar voo.  Então gritou arribaaaa e deixou o medo de lado.

Mas outra senhora, com modos calmos e tranquilos numa moto bem antiga e também transparente emparelhou-se com ele do outro lado  e passou-lhe uma descompostura. Era a dona Prudência: — Vá devagar, vai acabar se machucando!

Então em obediência à sua voz autoritária reduziu a velocidade.

Chegou ao destino levando no pequeno bagajeiro, experiência aprendizado, medo e coragem.

Na vida temos que ora acelerar ora frear. Mas acima de tudo viver. As duas senhoras são sábias cada uma a seu modo.  Dobrar-se ao medo nunca foi uma boa saída. Arriscar-se demais é perigoso...

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Pacote de carinho quente

 O frio era intenso e Marquinhos não  estava acostumado. Era o primeiro inverno  rigoroso do garoto de cinco anos. 

Chegou ao lado da  mãe e disse :

- Mamãe  quero  umas coisa que esquenta.

E recebeu um pacote de carinho contendo:

Uma blusa extra , luva, gorro, uma cadeira  ao sol e um copo de achocolatado com bolachas.  Delicia!

Pacote  de carinho esquenta, nima e mima. 

O menino olha  tudo aquilo e diz a  mãe: 

- Você  é pacote  mais quente que existe.

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ORDEM É ORDEM

O Juninho estava com alergia, foi ao alergista  e após alguns testes  o medico disse:

-Você deve evitar  o contato com várias coisas,  a poeira,  o mofo, o  fumo e  a lã.

O paciente decidiu imediatamente cumprir todas as ordens do doutor.

Saindo do consultório o rapaz ligou seu amigo Alan e disse que a amizade  entre eles estava acabada.

Ordens médicas são ordens médicas. 

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TEXTÍCULOS.

José Moura Filho o famoso escritor apresentou o nome do seu novo livro e escandalizou os leitores. O livro se chamava Os Textículos de José.

E precisou de um prefácio caprichado para explicar que textículos (com X no meio) referia-se a pequenos textos. O livro continha poesias e textos minimalistas. Textos pequenos são textículos.

Aquele escritor era muito bem dotado, dotado de grande talento, pois tinha muitos textículos. Todas as pessoas ficaram admiradas ao ver seus textículos. Textículos lindos.  As mulheres deliravam com aquelas coisas pequenas.  E ele mostrava os textículos para todo mundo sentindo muito orgulho deles.  E além daqueles contidos no livro ele dizia ter muito mais. Nem conseguia contar.  Tinha uma coleção grande de textículos e já havia publicado vários. Seus textículos estavam espalhados por todos os cantos.  

Textículos belos  que encantam a todos.  

Depois de algum tempo com a provocação e a incitação dos divulgadores os textículos explodiram inundando  as livrarias.

Sucesso total.   As vendas de: Os textículos de José jorraram. 

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O AMOR É LUZ  

Quando chegou a noite a doce e terna MaÍra vestiu sua roupa de noite. Ia encontrar-se com o amado.

 O longo vestido tinha as cores da empolgação e o brilho da aventura. Saiu e transformou a noite em dia.

Por que a treva ou a luminosidade estão no olhar e no coração.  E o amor é luz 

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ZÉ LELÉ BUM

Foi um acontecimento na cidade. O fim trágico e inacreditável de Zé Lelé.

O doido, figura pitoresca de Imápolis saiu gritando pelas ruas, parecia sentir muitas  dores,  e bradava sandices:

—Foram eles, foram os índios do espaço, eles vieram naquela nave espacial enorme e me atacaram, foram eles. Disseram que daqui a pouco vou explodir e ser levado para os céus, para o espaço em micro partículas voadoras, pois colocaram uma bomba na forma de um chip dentro da minha cabeça. Estão  sugando o meu cérebro e se alimentando dele.

Todos o conheciam e sabiam das coisas esquisitas que falava. Tinha mania de perseguição e era propagador de muitas teorias conspiratórias, fim do mundo, invasão espacial, e coisas assim. Mas o homem tinha mesmo ferimentos na cabeça.

Depois de algum tempo ficou em silêncio com o olhar parado, parecendo um bobo. E então: BUMMM! A  explosão cobriu a praça de poeira e Zé Lelé nunca mais foi visto. 

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APENAS PAPEL

Enquanto jogavam as  pessoas conversavam na mesa do bar.

Carlito, calado, capcioso e perspicaz, usufruía dos seus poderes de introvertido, e sem saber jogar observava a roda de conversa que acontecia durante o jogo de baralho e refletia:

-Cada um distribuindo sua verdade absoluta como quem distribui cartas de um baralho na certeza de que receberia a carta decisiva para vencer o jogo. Cada um apostava alto nos seus curingas e confiava nos seus naipes infalíveis. O que não percebiam é que aquilo era apenas papel, frágil, destrutível, papel que poderia ser levado pelo vento, vento de outros tempos. Ou quem sabe molhado pelas águas das experiências e das situações da vida, despedaçados por uma nova descoberta. Rabiscado pelas tintas da ignorância.  Ou que talvez o fogo  de uma nova paixão pudesse  tornar cinzas. Papel, simplesmente papel, suscetível a mil coisas: ciência, evolução, novas experiências, lavagem cerebral, libertação, doutrinação ideológica...

As cartas eram apenas peças de um baralho, não certezas de vitória.

Mas sem que ninguém além dele soubesse disso o jogo continuava. 

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FRASE CERTA

Escrevia as frases sem pensar muito sobre elas. Era sempre a mesma coisa. Começava sem querer, jogando alguma coisa qualquer no arquivo word, depoi ficava  muito envolto no processo da escrita e as historias se formavam em sua cabeça sem que ele tivesse qualquer controle sobre elas. Sempre fora assim, como um arrebatamento. Um êxtase sem explicação. Uma nuvem que se abria no céu e fazia jorrar um maná abençoado. Leite e mel a escorrer das frases. Seria o prêmio dado a ele pelas mãos do talento, uma espécie de taça de ouro, e dentro dela o vinho tinto, vivo, sangue puro que a tingir as páginas e procurar seus veios?

E escrevendo sobre a escrita definiu-se de forma perfeita.

Leu o parágrafo anterior e percebeu que acontecera outra vez. Sorriu quando a frase certa veio. E ela sempre vinha. Bastava começar a escrever e ela jorrava de dentro do chão. Do nada jorrava, água límpida e pura . E então a surpresa acontecia do nada.

O escritor percebeu que as frases o definiam e a frase mágica era a descrição da própria frase e o seu clímax.  

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ZÉ DA TOSSE

Zé da Tosse,  pobre vítima dos males do período frio do ano resolveu fazer versos usando as doenças como mote. E surgiu o poema abaixo.

 

ITES E AFINS

Gripe coriza, febre

Narizinho escorrendo

Se a força dos males em mim pese

Vou achar que estou morrendo.

Agora vem a dor de cabeça

Para que eu jamais me esqueça

Da querida enchaqueca 

que em dueto canta feliz

 Com a tal da garanta seca 

Até pareço sufocado

Como quem está dentro de um vidro

Obstrução de todas as vias

No flagelo do nariz entupido 

Cof cof cof sem parar

Não para até que venha

raiar um novo dia

Na garganta algo se agita

Uma mãozinha arranhando

Toda hora cutucando 

É da tal da alergia

Sou apenas um refém

Vítima de todos os ites

Esofagite, faringite,

 rinite, sinusite 

e pra completar  acredite

tenho muita   frescurite.

Dor dói, mas pulso ainda pulsa

Como dizia a canção.

Ainda não morri

Mas por pura precaução

Há muito  estou pagando o caixão.

Tudo isso se acaba

Quando o frio acabar

A doença se esconde

Com medo do calor a queimar 

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O MORRO ESTÁ CRESCENDO?

(texto menciona o morro do batatal que faz parte do patrimônio histórico da cidade de Pitangui MG - mucioataideart.blogspot.com )


O morro do batatal é uma parte importante da historia da nossa cidade de Pitangui MG. Os bandeirantes que aqui chegaram se aportaram naquele local e dali foi extraído muito ouro . A primeira casa da cidade , a primeira igreja, a pequena capela de Nossa Senhora da Penha foram erguidas ali por perto. Chama-se morro do batatal porque no seu subsolo eram encontradas pepitas de ouro do tamanho de batatas. Uma comprida rua, bem íngreme num certo trecho e com muita história guardada. Hoje chama-se Rua Nossa Senhora da Penha. Uma das muitas ladeiras da cidade.


Pitangui nasceu sob o fascínio do precioso metal amarelo, e tornou-se a sétima vila do ouro das gerais, com uma bela história, tendo no passado uma linda arquitetura com casarões seculares, que infelizmente se perdeu no que diz respeito à preservação da sua história.


Quando menino passei muito por ali com minha mãe para rezar na famosa igrejinha da penha. Na juventude subi a ladeira para me divertir nas barraquinhas de santo Antônio.

Hoje numa das casa do morro tem uma bonita placa com um trecho de um belíssimo poema do poeta pitanguiense Jorge Mendes Guerra Brasil falando sobre o local.


A ladeira dourada tem muitas histórias e traz-me muitas lembranças.


Hoje porém vendo o majestoso morro do batatal símbolo da nossa cidade de Pitangui, Sétima vila do ouro das Minas Gerais, local onde os bandeirantes encontraram ouro às pampas para enviar para Portugal fico pensando no que está acontecendo com ele ? Ele cresce?


Acho que tem algo estranho aí. Gostaria até que fosse feito algum estudo geológico para ver o que acontece no subsolo desse lugar. E acho que isso ocorre em todos os morros da cidade. Minha teoria é de que algum fenômeno geológico, algum abalo de placas tectônicas ou algo assim, não entendo nada do assunto, aconteça aí, pois a cada ano que passa o morro aumenta mais, o aclive vai se acentuando. Fica mais pesado com o tempo para fazer a escalada. Quando eu era criança e ia até a capelinha com a minha mãe, subia o morro correndo, agora não consigo mais, me canso e tenho que parar na metade dele. A única explicação é que o morro vai se inclinando com o tempo. A cada ano que passa vai aumentando e ficando mais difícil subi-lo. Coisas da natureza. Mas acho que deveria ser feito um estudo aí.


Quando vou de carro não tenho essa sensação, pode ser por causa dos vidros fechados.


De qualquer forma é uma parte da historia da nossa cidade. O morro íngreme que conduz à bela igrejinha de Santo Antônio e Nossa Senhora da Penha, e ao lado dela a primeira casa construída em Pitangui é uma relíquia para todos nós. Tudo isso faz parte importante do nosso patrimônio. Onde o ouro brotava em pepitas do tamanho de batatas pelo chão.

Viva Nossa Pitangui. Devemos valorizar e preservar, mas que o morro está aumentando está.


***

BALANÇOU 

Eu vinha da cozinha em direção à sala, estava afoito, ansioso e muito triste. Sangrando pela ferida da cruel lança do duplo luto.  Quando passei pela copa algo aconteceu. Senti um toque inesperado, assustei-me. Um toque de algo frio e pesado me fez conter a pressa e olhar para o lado. Ouvi um Tim-Tim, como se dois objetos de metal estivessem se chocando. Então parei e percebi o que havia acontecido. Eu havia esbarrado numa imagem do sagrado coração de Jesus e esse ato descuidado deslindou um mundo de sensações.

A cena ocorreu em setembro de 2012 poucos dias após a morte de meus pais, para quem não sabe eles morreram na mesma semana.  Logo após os falecimentos minha irmã pegou as duas alianças deles, colocou-as em um cordão e pendurou no pescoço do bom Jesus. As alianças amarelinhas que nem manga madura, feitas de ouro puro, a de mamãe mais fina, a de papai um pouco mais espessa ficaram ali penduradas aguardando qual seria seus destinos. Eu passei por ali, esbarrei na imagem do santo, e então  as duas se encontraram, fizeram tim tim como em um brinde. E o balanço delas balançou tudo aqui dentro. Balançou lembranças e momentos. Na hora pensei: E não é que esse trem dá um ótimo poema! E me perdi por alguns instantes deixando o passado balançar dentro de mim.

Aqueles objetos balançaram em momentos de doença e de dor, já nas estreitas estradas do fim, talvez fossem dois faróis amarelos a iluminar os caminhos da dor e fazer crer que tudo valeu a pena. E a cor dourada talvez fosse similar ao dourado dos campos eternos que trilhariam depois da missão cumprida.

Aquela aliança mais fina balançava enquanto lavava as vasilhas da janta, ou quando esfregada a roupa. Balançava no alegre cuidar da casa. Balançava enquanto o amor era distribuído  por todos os cantos.

Balançou também ao acarinhar um ventre crescido e ao embalar certo berço no doce e terno ato de ninar. Para embalar o chorão com certeza balançou muito.

Aquela aliança mais grossa já balançou sobre os teares, ou para enxugar o suor da testa e tentar conter o cansaço e o sono em árduas madrugadas de labor e luta. Também já balançou enquanto a mão manipulava o martelo na construção de um novo brinquedo para o menino  ou de utensílios para a casa. Já balançou a favor  do uso da engenhozinho e da criatividade.

Balançou também enquanto as mãos faziam gestos frenéticos durante a narração de um causo ou a distribuição gratuita de bons conselhos.

Balançou indicando os caminhos, mostrando a direção e também distribuindo amor.  

E os dois divinos arcos dourados, elos que aprisionaram o amor, balançarem demais por aí. Balançaram nas manhãs, nas tardes nas noites, balançaram no aplauso para o primeiro passo ou para a primeira palavra do pequeno menino, balançaram na agonia da febre nas madrugadas, embalando para conter o choro, na primeira comunhão, nas festas, nas formaturas, no parabéns para você... Na alegria, na tristeza, na saúde e na doença... Em todos os momentos.  Balançaram na construção do emaranhado desta esplendida teia do viver.   

E fui assim balançando a imaginação e viajando para outras eras, em poucos segundos vivi mil coisas e fiz milhares de cogitações. E pela força da imaginação cheguei ao dia das grandes bodas. Ao glorioso 28/12/1967. Aquele dia em que a esperança ocupava todos os espaços, e as ilusões giravam como em um carrossel numa roda de insanas ilusões.  Dia em que tudo era festa e jardim florido,  o sonho de eternidade circundava o altar   e que nem se ousava cogitar a ideia da efemeridade. Dia do começo da grande história. Vi as alianças balançarem e também se chocarem naquele pequeno pratinho enquanto eram conduzidos para cumprir sua missão de ser elo de eternidade. Até ouvi o tim tim  ecoando pelas contornos e torres da nossa velha matriz. Outro tim tim no momento que iam do pratinho até os dedos. E balançaram bastante com o incessante movimento nas mãos trêmulas pelo nervosismo, e cheias de expectativas.

Dois objetos uma promessa. Uma porta aberta conduzindo ao caminho da esperança, rebentos e continuação do eterno ciclo do viver.  A realidade salpicada de pedras e flores, de mágoas, amores, de altos e baixos, de dia a dia e  de  tudo o que é vida .

E o elo se fez, e o ouro delas brilhou, e a vida aconteceu. Tudo para terminar nesse esbarrão e  nesse balanço.

Dizem que um bom texto não pode ter palavras repetitivas, então me lasquei nessa porque balancei demais a palavra balançar, mas o que posso fazer se as coisas balançaram com aquele balanço? Balançou a lembrança, a saudade, os momentos...  e eu me senti ali no meio daqueles dois arcos divinos como parte deles.

Mudei meu percurso, fui até o quarto ligar o computador para fazer o poema. Mas o cordão ainda ia de um ponto a outro e as duas alianças ficaram lá balançando toda uma história. Uma história maravilhosa. Sempre juntas...

 

 

***

AS DUAS MENINAS

Pedro Sanches o poeta e  escritor  esperava pelo ano novo  fazia planos e acreditava que aquele ano seria melhor. Comemorava o natal e em meio as luzes e ao esplendor daquela época tão linda  orava pedindo que tudo fosse diferente.  

Enquanto olhava a cidade lá embaixo pela sacada do 12º andar Antenor seu amigo se aproximou e ficou observando o amigo refletindo naquela chuvosa noite natalina. Depois de algum tempo aproximou-se.

-E aí Pedro curtindo a noite de natal?

-Estou aqui pensando e pedindo para que o novo ano seja melhor.

-Bobagem amigo, a esperança é vã. É tudo ilusão de fim de ano. Todo ano a mesma coisas, os mesmos planos e sonhos e tudo termina igual. O ano  novo vai ser igual ao outro.  As coisas não mudam apenas porque mudou o calendário.

Então o escritor se manifestou:

-Talvez seja verdade, não existe nada mágico. Mas não custa nada crer. A esperança e a ilusão são meninas arteiras que insistem em fazer suas estripulias, fazem bagunça dentro da gente, depois deixam tudo desarrumado. Mas eu gosto delas, acham que elas tornam a vida mais colorida. E a vida essa é uma dama muito caprichosa nunca sabemos o que ela vai aprontar e quais serão  seus próximos caprichos. E se não sabemos por que não esperar o melhor?

-Ah Pedro você é um escritor, um poeta  e como todo escritor você é um sonhador. Pé no chão amigo, pé no chão.

-Acho que eu sempre vou preferir voar.

-Feliz natal Pedrão. E tomara que seja mesmo diferente.

-Feliz natal. Feliz velho ano novo amigo.

E as duas meninas sorriam.

 

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FAXINA

No quarto daquele hotel Lúcio abraçou a solidão, abraçou-a bem forte, mais que isso abraçou a si mesmo. Um encontro profundo com seu eu. Ali esmiuçou questões guardadas dentro de si por longos anos. De forma coerente, eloquente, seguindo uma linha logica de pensamento conversou seriamente consigo. Decidiu coisas, planejou outros, expurgou essas, aderiu àquelas. Refez-se. Lembrou-se da letra daquela canção que falava em revirar as gavetas jogar fora sentimentos tolos, tirar traças e teias, cosias assim.  Faxina mental, espiritual comportamental. Reviravolta total. Naquela tarde a vida, os rumos mudaram e tudo ganhou um novo sentido.

A solidão amiga, sanadora de tolos os males, governanta que coloca as coisas nos lugares mostrou bem seu poder de fazer a mudança acontecer.

Sabia que jamais se desvencilharia daquele abraço. Eternos parceiros

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LINDA AVENIDA. 

Enquanto andava lia, enquanto lia, andava. Exercitava o corpo e mente. 

Dalí há algum tempo  os musculos do corpo e do conhecimento estariam tonificados. 

Passeava assim por uma bela avenida de árvores, flores, saúde, evolução e conhecimento. Tudo naquele ato simples e gostoso!

Mas não podia parar... andar e ler, ler e andar ... 

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PDV 

Assistia ao debate na tv, e se  empolgava com o que seu candidato dizia. Aquele cara fechava com tudo o que ele pensava. .

De repente percebeu uma coisa interessante, tudo o que aprovava e aplaudia naquele candidato, havia ele mesmo criticado e reprovado num outro candidato na eleição anteriror. 

Aprovou e desaprovou. Apoiou e desapoiou.  O certo virou errado e o errado virou certo. 

Era como muitos,  filiados ao PDV - PARTIDO DOS VOLÚVEIS.


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CLARA

Mundinho o talentoso cantor e tocador de violão olhou para a bela lua e lembrou-se da lenda indígena que lera num livro nos tempos da infância. Uma bela índia clara como o dia, gostava de passear pela noite escura. Ao contrário dos outros índios ela não tinha medo do escuro numa época em que tudo era breu. A moça era  diferente de todos os membros de sua tribo  e sofria preconceitos por causa disso. Era odiada por muitos do seu povo. Numa bela noite subiu a um monte e pediu ao deus tupã que a levasse embora para um lugar onde não fosse desprezada. Tupã então a transformou na lua.

Hoje ela brilha na imensidão, ilumina o caminho dos viajantes, faz a estrada antes escura parecer dia. Inspira poetas e trovadores que ela fazem mil odes exaltando a sua beleza.

A índia branca que gostava de passear pelo chão à noite, agora passeia pelo céu, iluminando, clareando tudo.

A lua estava linda, e a fantasia era propícia para aquele momento...

 Agora faltava apenas uma coisa, foi até seu quarto pegou o violão e saiu cantando pela noite, para a lua, para sua amada e para quem quisesse ouvir.

Os acordes tão belos que ecoavam noite afora exprimiam a sensibilidade a beleza, a poesia que existia dentro dele

Salve Clara, índia branca e solitária, dama das noites. A ela nada se compara. Salve lua, Salve Clara... 

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EXPLODIU O PRESENTE. 

Renato chegou animado a local de trahbalho. Parecia ter renascido após aquela noite. estava animado e nem sabia o porquê. Sabe aquelas alegrias que surgem do nada? Vêm como presente embrulhada em raios de sol na manhã? Pois havia recebido um. Era algo saboroso, Recebeu, o presente  engoliu-o e saiu por aí. 

 Logo em seguida apareceu em sua frente algumas iguarias indigestas que precisava provar De repente surgiu um giló verdinho,  pepino cortadinho em fatias, o abacaxi pedindo para ser descascado. Apos ingeri-los sentiu indigestão e tal qual uma bomba o presente explodiu dentro dele. Tudo pelos ares, apenas o gosto amargo na bca ficou. 

Não devria acontecer, mas aconteceu. 

Esperava que amanhã a vida preparasse um outro presente  com um belo laço e nada roubasse o sabor. 

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NOVA FÊNIX

Quando o amigo morreu as lembranças o abraçaram. A infância voltou, a juventude renasceu, os valores mudaram e passou a enxergar  a vida com outros olhos, mais atentos e vigilantes, dispostos a ver coisas que ignorava.  

Lembrando o velho mito da fênix, um novo ser desabrochava em flor viçosa, advindo  das cinzas da dor.

A morte traz pesar e dor, mas também traz o pensar e o renascer de valores. 

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VIAJE

Rubens preparou-se para viajar. Pôs a mochila nas costas, ligou sua motoneta  e se soltou na aventura.

Uma viagem curta, mas para ele era uma grande jornada. Pois o coração é que determina o que somos e o que vivemos. O que é grande e o que é pequeno.

Viaje... 

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NOVO DIA 

Luís acordou de mau humor, estava com o nariz entupido e uma irritante tosse alérgica. Estava acostumado com isso, pois no inverno era atacado por toda a sorte de doenças relacionadas ao sistema respiratório.

Mas então viu o sol, e o sol apagou os males. Como uma mágica louca, a luz e o calor fizeram diminuir todo o mal que sentia.  E a tenebrosa noite escura se foi.

A vida tem coisas mágicas, e que não  parecem mágicas porque as vemos todos os dias

Um clichê, uma frase antiga, batida, mas verdadeira, após a noite escura vem sempre um novo dia. 

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MUNDO SEU

Herculano gosta de simular as coisas, criar para si outras  vidas, de imaginar, imaginar muito. Afinal de contas aprendeu com o mestre, o livro.

 O jovem rapaz  fantasia e cria mundos e se projeta para dentro deles. Lá é sempre o herói,  o artista, o empresário. Lá ele tem tudo.

Ah se as pessoas soubessem. Ririam? O internariam numa clínica psiquiátrica? O que fariam? Melhor nem pensar nisso.

Deixa para lá, porque vale a pena ser assim. Melhor que ser mais um, melhor que ser massa.

Salve esse mundo seu, tão imenso e  tão maravilhoso!

Pena que a realidade às vezes se intromete e o faz acordar. 

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ESCULTORES

Rui operou com cuidado. Era fera do bisturí e ao traçar seu corte na pele macia sentia-se como um escultor fazendo sua obra.

A obra ali era maravilhosa um transplante, uma nova vida. Agradeceu a Deus por tê-lo feito um escultor assim de carnes de vida, de nova vida, moldando uma realidade melhor para seus pacientes. Ah que maravilhosa missão!

Viva os escultores que existem por ai. Cada um com seu objeto de trabalho  fazendo as esculturas do dia a dia. Em todos os setores. São aqueles que trabalham com esmero e além do dinheiro pensam em moldar uma realidade melhor. 

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GALOPANDO

Pedro galopava, levantava a poeira da estrada, tinha pressa de chegar.  Mal começara o dia de serviço na fazenda e já vieram lhe avisar que seu filho estava nascendo. Pegou um cavalo sem pedir licença a ninguém e agora galopava os sonhos de ser pai. 

Incrível como em poucos segundos o pensamento pode se expandir como um potro selvagem num extenso pasto. Ele se solta, tem onde vazão aos seus folguedos e aos movimentos livres.  Cria suas ramificações. A imaginação e o pensamento juntos têm um poder incalculável para o bem e para mal.

Ele agora cavalga a aventura de ser pai e todas as suas possiblidades. Já se imaginou brincando com o garoto, ou garota ele ainda não sabe. Imaginou o bebê dando os primeiros passos, falando as primeiras palavras correndo para seus braços nas tardinhas, fazendo mil estripulias. Imaginou o rapaz a moça se formando, e imaginou o casamento, os netos, enfim, não parou mais de imaginar. Cada galope uma aventura pela vida que começava.

Imaginação galopa muito bem montada no cavalo arisco do pensamento.

 

***

FALTA

Em Vicente faltavam  gengiva e dentes.

 Em Inácio do rosto faltava um pedaço.

Marília perdeu parte da virilha.

A  Josué  faltava boa parte do pé.

 A Leonor atacava uma forte dor. 

João tinha a menos um dedão.

Maria estava quase louca, vendo deformado o rosto, do olho até a boca. 

A pobre e velha Sinhana ficara sem um mama.

Beltrão quase não tinha mais pulmão.

Sebastião que tinha o apelido de Tim despedira-se ali do seu rim.

Ricardo estava muito acabado.

O Sr. Aleixo, não tinha  mais queixo

Em Cibele a coisa aconteceu na pele.

O pequeno Saymom queria saber porque estava na qtp.

Em cada rosto um tormento, dores para todo lado. Por onde se olha se vê sofrimento, que nos deixa triste e desolados.

Ataca sem dó nem pena tirando a paz e o conforto. Tem de pele, fígado,  osso e muitas outras partes do corpo.

 A crueldade daquela doença, as dúvidas e as descrenças, uma mente divagante que assunta, a indignação, os porquês e as perguntas...

E toda essa falta de  lógica, rimavam perfeitamente  com aquela unidade oncológica.  

***

MORTE E RESSURREIÇÃO.

Joaozinho se espantava com aquele movimento. Era a procissão do enterro e ele estava triste, pois o senhor havia morrido e estava agora no esquice sendo levado pelas ruas e ladeiras da pequena cidade.

Ah como aquilo machucava seu coração de menino!

 Era pequeno para entender, mas de alguma forma entendia.  Morria ali um pouco da sua ilusão de garoto do dia a dia para renascer na manhã de sábado com todo vigor. Amanhã seria outro dia.   Era a morte e a ressurreição. Ele entendia muito bem as coisas.

Aleluia! 

***

PERDENDO O CONTROLE 

Perdeu a direção do carro enquanto tentava fugir. Algo o perseguia naquela estrada. Tal qual uma cobra gigantesca se rastejante atrás do seu carro o monstro vinha comendo os quilômetros. Faltava pouco para que o alcançasse.

Descontrolou-se e jogou o carro contra as bombas de gasolina de um posto à margem da estrada.

A explosão foi instantânea e tudo se acabou.

Ao final de tudo podia ver apenas  a carcaça do carro e alguns objetos no chão. Seus pertences  que estavam sobre o painel e que foram arremessados ao longe. Entre esses objetios o remédio receitado pelo psiquiatra e que ele se recusava a tomar. 

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O SABICHÃO 


Samuel era o cara. O rapaz sabia tudo.  Era conhecedor de vários assuntos e fazia questão de demonstrar isso.

Quando via duas pessoas conversando, mesmo que estivesse um pouco distante entrava na conversa sem ser convidade e já começava a dar pitacos fazendo comentários  querendo  sobre aquele assunto. Ministrava uma verddeira aula sobre o tema.  Era muito bem informado sobre todos os assuntos, mas extremamente chato, intrometido e ríspido.  Só ele sabia das coisas, só ele tinha razão e às vezes até humilhava seus interlocutores

E muitos se dirigiam a ele quando precisava de algum conselho.

Gostava de se vestir bem. Sua roupa estava estava  sempre muito limpa e bem passada. Só usava roupa de grife.  Dava  conselhos sobre moda e sobre qual roupa combinava com qual sapato, quais as melhores cores, criticava a forma das pessoas se vestirem, coisas assim.

Agora não podia optar qual roupa usaria. O sabichão não daria sua opinião. Ele já  não sabia mais de nada. Num momento era o sábio que escolhia tão bem sua vestimenta, no outro não escolhia mais nada.

O agente funerário ficou parado, com ares de enfadonhice, esperando a irmã do sabichão  escolher entre os dois ternos.

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A (ss)vacina

Patrícia estava feliz. Agora sim achara a resposta. Aquele cientista e professor dissera tudo. De onde era mesmo o homem? Onde ele havia estudado?  Não prestou atenção nessa parte. Ah isso não importa. O importante é o conteúdo do que disse e  as verdades que revelou em seu vídeo.

Como é que o mundo não despertou para isso? Estava tudo tão claro, agora podia entender. O vírus foi uma parceria. Uma combinação entre os habitantes do Planeta Phanton e dos comunistas da china. Todos eles tinham ligação com o Diabo, então produziram o vírus para depois apresentarem a vacina e dentro dela o chip  em forma de plasma para dominarem o mundo. 

 Deu o nome de vacina assassina  àquele líquido do mal dentro daqueles frascos do capeta.

Descoberta a tramoia só restava a ela fazer a sua parte e divulgar no whatsapp e em suas redes sociais alertando às pessoas para não caírem na armadilha.

Ah mas eles eram tão burros e só acreditavam na ciência. Mal sabiam que os cientistas do mundo eram conviventes com a dominação, a maioria deles também estava no esquema.

Mas estava feliz por fazer a sua parte.

 Vamos salvar o mundo. E para o mundo ser salvo nada da vacina... Assassina.

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AS MANGAS

O rapaz pulou o muro, subiu no pé de manga do quintal do vizinho, caiu e machucou-se.

O vizinho cuidou dele, o conduziu até o hospital apesar de tratar-se de um invasor de sua propriedade.  

Depois ofereceu-lhe algumas mangas para levar para casa. Nada falaram sobre a invasão. O vizinho apenas contou que havia apanhado muita manga naquela manhã.

 Na despedida disse ao invasor: - Não precisava cair, era só pedir.

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MERCEDES

Mercedes era a chacota do bairro. Uma pobre andarilha que já havia perdido tudo na vida inclusive a vontade de viver. A vida a levou por caminhos tortuosos. E ela entregou os pontos. Todos os ânimos lhe escaparam e as ilusões se despediram de si. A loucura então a abraçou como quem acolhe um velho amigo. A mulher então  e tornou- moradoras das ruas daquele bairro. Andava com roupas rasgadas, um velho saco nas costas, falando sozinha e proferindo impropérios. Era o retrato perfeito da mais profunda angústia. Seu comportamento e suas palavras demonstravam a força devastadora dos sofrimentos da alma e  o quão baixo um ser humano pode descer nos degraus da escada da dignidade humana.  

A garotada gostava de zombar do seu jeito estranho de andar e de sua figura pitoresca. Quando passavam por  ela gritavam: - Quem quer andar de Mercedes? E logo algum atrevido pulava em suas costas fazendo barulho com a boca como quem está acelerando um automóvel, acelerando uma Mercedes.

Ela corria atrás dos meninos e depois de espantá-los com pedradas, continuava seu caminho xingando e maldizendo a vida.

De alma cada vez mais ferida a  pobre   prosseguia carregando dentro daquele saco nas costas todas as dores e os terrores do existir

Os meninos  então de longe continuavam zombando dela e alguns diziam: -Maria reza, Mercedes benze...

 

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CEIA COM NOVOS AMIGOS

Sai carregando o saco pela noite, distribuindo coisas, brinquedos, comidas e roupas aos moradores de rua.

Eu havia ganhado muito durante o ano e resolvi gastar muito também. E o que  comprei foi do bom e do melhor.

Conversei com o povo da rua, ao lado deles comi, ri, contei piadas, ouvi lamentos,  vi sorrisos e lágrimas. Foi um natal diferente, o melhor que eu já tive.

 Pretendo durante o ano reencontrar esses meus novos amigos para outras farras e bate-papos.

E no próximo natal já sei qual o endereço da ceia. Aguardo ansioso.

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JOÃO TAPADO  OS MENINO E O GADO

João um garotinho com alguns problemas mentais que tinha o apelido de João Tapado tocava alguns bezerros para o pasto. Era ajudante na fazenda e todos os dias fazia aquele serviço. Alguns garotos para chateá-lo zombavam dele quando o viam passar. Diziam  numa voz um pouco cantada.

-Perguntei pro João, pro João bobão: O que você gosta de fazer seu tapado?

-O João respondeu: - tocá gado, tocá gado.

O rapaz ficava muito bravo e saía correndo atrás dos meninos.

Numa bela manhã o João que já contava com o carinho dos animais e parecia até que eles o obedeciam,  conseguiu conduzi-los na direção dos garotos que saíram correndo assustados.

Alguns no momento do medo sujaram suas calças.

Depois do susto os meninos reclamaram:

-Pô João isso é sacanagem! A gente tava só brincando com cê. Não precisava disso não.

O João respondeu: -Eu fiz isso só pra ver oceis cantano aquela musga.

-Que música  João?

-tocá gado, tocá gado... 

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SOLO FÉRTIL 

Tôe da Cirila, como era chamado, colhia frutas em seu quintal e saía distribuindo aos vizinhos que não tinham um quintal. 

Seu solo era fértil,  farta colheita vindoura...

 Sabia  fazer  germinar as sementes...

 Conhecia a matemática do cem por um.

 Desabrochava em bondade.  

Sabia fazer florir... 

Divida e multiplique as  bençãos. 


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SOL LÍQUIDO 

Quando viajava gostava de sair bem cedo para ver o sol nascer na estrada. Ah como era bom! Ver a claridade do dia apagando a escuridão e as luzes da esperança se acendendo aos poucos. Viajar é trocar a roupa da alma como dizia um grande escritor. É vestir a roupa da esperança e ser um pouco criança. Traçar novos destinos, se aventurar em outra sina  e para louvar a isso quem sabe usar  uma  rima.

Porém  numa manha de viagem começou a chover. Então como ver o sol nascer se o tempo estava nublado e aquela magia não aconteceria daquela vez? 

Refletindo e buncando novos caminhos  começou a ver a chuva chegando como uma outra forma de sol. Talvez não trouxesse tanto brilho e calor, mas trazia paz e tranquilidade.

Era a limonada feita com o limão que a vida deu, o origami com o papel velho. A reciclagem que faz o velho novo.  O poder da transformação.

Regozijou-se por sua adaptabilidade e pela capacidade de buscar um sol novo, uma nova forma de luz num momento de escuridão.

A vida não tem apenas um caminho. E tudo pode ser motivo de louvação e de alegria quando o olhar para a vida é de poesia.

Aquele era apenas um sol diferente, mais líquido, molhado, mas com um brilho também muito intenso.

E a viagem foi fantástica. 

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AFAZERES

Pegou alguns afazeres dobrou-os bem dobrados e colocou num cantinho lá no fundo do peito, um compartimento bem escondido, que desde sempre estava reservado para o depois.

 Desdobrou os novos afazeres que estavam mais  para prazeres, colocou-os em cima da mesa  e começou a cuidar destes.

Depois fez tudo ao contrário, e assim foi pela vida, numa eterna alternância,  dobrando e desdobrando, guardando e expondo...

No final de tudo, quando não já era mais possível fazer as alternâncias, dobrou a vida e  a guardou  numa caixa.

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FIM AO LADO 

O homem escrevia, tomava vinho e esperava o fim que estava escondido na escuridão da sala ao lado. 

(noite, vinho, composições, várias - 03/09/21

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FACA

Pegou a faca disposto a cortar um pescoço...

Seria um ato de bondade o que parecia pura maldita.

Pretendia cortar o pescoço dos pombinhos, filhotes  que ficaram no ninho após a morte da mãe. O ninho estava ao chão e eles talvez tivessem alguns ossos quebrados.

 Morreriam na faca, rapidamente, numa guilhotinada só para não morrerem à mingua de fome, frio e dor.

Um ato de maldade ou  um gesto de misericórdia?

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ATRAÇÃO DA LUA.

A lua exerce sobre ele um estranho fascínio. Alguns dizem que o jovem mancebo enfeitiçado quando a vê. Olha para a grande esfera prateada no céu e seus olhos ficam vidrados como se nela houvesse um imã que o atraísse. E ali permanece, parado quase que a noite inteira observando-a,  fazendo versos em sua homenagem e cantando canções de serestas muito antigas e muito belas. “Oh lua branca de fulgores e de encantos”.

A lua é a feiticeira das noites que hipnotiza seu escravo e o tem à sua disposição para atender aos seus caprichos.

Em alguns momentos podia-se até imaginar ela gritando: -Venha meu escravo -  E ele subindo para estar em sua companhia.

A lua o dominava totalmente

Todos se encantam com a sua beleza e com a poesia que derrama. Muitos amores são por ela embalados, serestas lindas cantadas, versos rimados  lhe são entoados por todos os lados. Pode-se andar no escuro a noite é quase dia, tudo ganha um prateado tão bonito quando ela aparece.  Os astrônomos e observadores, cultuadores da ciência e do conhecimento a veem como mais uma prova da perfeição do universo com sua incalculável amplidão e grandiosidade. A Lua que determina datas para colheitas, para o corte de cabelo, que faz doer antigas feridas,  que exerce a força da atração gravitacional sobre as marés, que regula  diversas atividades e determina muitas coisas é também dotada de mistérios e de histórias que se esgueiram pelas noites por sobre muros e telhados. Espectros que rondam por entre uivos e pirilampos. Uma infinidade de coisas orquestradas pela batuta dessa regente. Dama divina das noites senhora dos céus de imensurável beleza. A todos fascina, mas a ele muito mais. É dona absoluta de sua vida.

Depois  de mais um longo tempo de contemplação a ela improvisa versos rimados:

Lua nua,

boiando no céu

iluminando a rua,

sem mortalhas nem veu,  

salpicando a terra

de encanto  e magia

derramando em tudo,

nos contornos e entornos do mundo

 a beleza  e  a poesia.

Fazendo a noite mágica

Fazendo-a virar dia

Me leva oh lua!

Me toma para si...

OH LUA...

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ANTENOR, ELEONO E O ESCRITOR.

 Antenor sentia amor  por Eleonor. A paixão o envolvia dentro dele fervia. Um caso sem solução ela não o queria não.

 O sofrimento e o tormento estavam presentes a todo momento.

Sentindo muita dor, pavor e até terror, Antenor desprezado por Eleonor convida o escritor para beber no Bar do Alaor.

A bebida era a solução para amenizar a dor da paixão. E no bar o nosso Antenor acompanhado pelo escritor pedia ao garçom por favor: 

-Para curar minha tristeza garçom põe cerveja aqui  na mesa. Contra a falta de carinho sirva-me uma taça de vinho.  Viver para quê? Traz o saquê. Para que da saudade não apanhe, uma garrafa de champanhe.  Para esquecer Eleonor Aparecida me vê um pouco de sidra. Sobre o copo risque uma dose de whiski e sem gelo, esse  é o meu apelo. Para aguentar o baque dai-me uma dose de conhaque. Um  pouco de tequila, sem demora, nem fila. Garçom não faça firula e traga logo a amarula.Guraná nem "pensá". Refrigerante, Coca-cola tô fora.  Suco é coisa de maluco. xarope o coração entope.  Energético nem  se fizesse ficar atlético. Mingau nem a pau. Leite, chá, café... nada disso a gente quer.  Nem no palco bebo sem álcool. Bebida fraca, que porem  redime é  o adocicado e bonito martini. Barman ouça bem: Me levaria ao céu se fizesse um bonito e colorido cocktail. No copo da caipirinha vejo  a minha doce  Eleonorzinha.  Sobre a mesa molhada passe o pano e traz o cortezano. Põe um pouco de gengibre em minha cuba libre. Aiai quero hi fi. Beberei aqui por um  ano se o garçom trouxer cinzano. Espumante é diamante, bebida boa e véia é o drink dreher. Não me venha com dose módica quando for servir a vodka. Se a paixão me quebra, dá-me logo  uma jurubeba. Darei um bote no Corete, um creu no tonel e um  mergulhão no garrafão. Fico feliz quando me antolha o trabalho do saca rolha . Pensando no meu fim quero gim. Se ela chamasse Mônica eu pediria jim tônica, mas como não chama assim dá gim tônica pra mim.  Garça põe uma música brega e volte lá na Adega.  A sobriedade vai-se  com Ice. Água me causa mágoa. Óleo de soja, azeites, gorduras e outros misturas, soda caustica e kaol só se misturados ao etanol. Olhe bem, veja, ouvindo moda sertaneja no escuro, bebo até álcool puro. Vida marvada, com alcool bebo  tudo, sem álcool bebo nada.   Para esquecer aquela aborrecida, mistura tudo e faz uma  batida.   E  para dar mais sensação, a boa e velha pinga com limão. E agora faço o meu pedido derradeiro: Garçom traz o bar inteiro!

Os dois biritando e o texto perigando.

Antenor pede por favor para o escritor  caprichar na hora de narrar que essa paixão nunca vai acabar.

 Do texto o escritor pede trégua.  -Chega! Fecha a conta e passa a régua.

Essa hsitoria é assim não tem fim.  

E assim a vida continua,  então  sem solução...

E o escritor trêbado  encerra a sessão porque depois de tanta birita consegue escrever mais não.

Até mais povo bão! 


***


A LUZ

Abriu a porta do antigo escritório. Estava voltando ao trabalho depois de algum tempo parado. 

Uma luz pareceu entrar em sua frente e iluminar os moveis, o chão, o telhado, tudo... Era a luz do novo, do que é remodelado. A luz de uma nova etapa ou algo assim.

Então percebeu o quanto gostava daquele lugar, e mais que isso percebeu o quanto deixou de perceber.  

Quanta coisa coisa nos escapa quando não damos valor ao que temos e não percebemos  a vida que pulsa de prazer a cada instante. Olhamos  sem olhar, sentimos  sem sentir, observamos em observar e até vivemos sem viver. 

 Não conseguia explicar,  sabia apenas que daquele momento em diante tudo seria diferente. 

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RECICLAR UM PEDAÇO. 

   Numa linda manhã de sol enquanto fazia caminhada num bairro novo da cidade, um lugar ainda pouco habitado  encontrou um aparelho de tv estragado jogado à beira do caminho. 

   Seria apenas uma tv velha, não fosse o fato de ser o mesmo modelo de sua primeira televisão colorida. 

Quando viu os contornos do aparelho muitas lembranças povoaram sua mente .Lembrou o dia em que aquela belezura chegou! Que felicidade! Todos da casa empolgados. Foi uma festa!  Lembrou o primeiro  programa a  que assistiu, encantado com a vivacidade da tela . Tempos de rapaz onde tudo era encanto e cada pequeno acontecimento marcava profundamente. Transportou-se para aqueles momentos e reviveu sua empolgação ao ver filmes, desenhos programas e novelas. Belos tempos.   Lembou de  muitas coisas

  O primeiro aparelho color que  decorou  a saleta, uma pequena ostentação que encantou a todos com as cores vivas em noites e dias de muita diversão. A familia reunida assistindo a novela das oito. Os filmes nas tardes,  programas, desenhos, tudo era mais bonito, assim como a tv a vida tinha muita cor.   Era um luxo ter uma tv colorida naquela época.  

 Mais tarde foi até la de  carro e pegou o aparelho. Consertá-la seria reciclar um pedaço de vida.  

***

FICA EM CASA

Gostava de sair à tarde para ir até o mercado comprar algo de que precisasse.

 Fazia bem dar uma volta depois da maratona no home office.

Naquele momento da história era melhor esquecer esses pequenos prazeres, fazer uma compra grande que contivesse tudo de que precisava para o mês e evitar de sair de casa. Não era tempo de se fazer as coisas que gostava, mas sim de fazer o que era preciso. 

Aquele momento tolhia os prazeres e fazia muita coisa ficar para depois.

 O virus tão pequeno mudou a rotina de todo mundo e fez mil imposições. Acho que também nos mostrou como somos pequenos diante da natureza e a sua majestosa e ao mesmo tempo devastadora

Não ao prazeres, não ao antigos costumes e sim a uma conduta ascética porém necessária. 

-"Fica" em casa, disse para si mesmo  ao término do último desses passeios verpertinos. 

***

SEU FÃ

O escritor já acumulara um monte de livros escritos e não publicados e outros publicações e não vendidos. 

Textos em sites e apps que não eram lidos. ]

O blog tinha poucas curtidas. 

 Começava a acreditar que era ele e apenas ele seu unico leitor. Mas tudo bem. Que assim seja. Afinal de contas ele não tinha menos valor que os outros leitores e a pessoa deve se amar. 

Então virou o seu maior fã. 

O resto que se dane. 

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TEMPO LÁ E CÁ 

O dia estava nublado e ele tenso. O  tempo influía em seu estado de espirito. Acontecia sempre. Sempre que o tempo estava assim ficava deprimido. Era como se lá dentro houvesse outro planeta que se abria ou se fechava às intempéries do ser. Se o tempo estava nublado nublava algo dentro de si, se estava  ensolarado  irradiava raios de poesia e esperança, mas o calor entediava e causava cansaço,  o  frio trazia aconchego e a chuva muita paz e tranquilidade. 

O tempo cá fora provocava  sensações lá dentro.Da mesma forma que flores se abrem nas belas manhãs, a atmosfera desabrochava algo em si.  O tempo  fazia florescer sonhos ou murchar  esperanças. O dentro e o fora, um influenciando o outro.

 Coisa misteriosa. Vai entender essa meteorologia!  

Agora clamava pela chuva!  

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ENTRE PAREDES

Quando acordei de madrugada e fui ao banheiro senti uma presença estranha na casa. Não, não eram baratas, nem ratos, nem nada dessas coisas.

E uma  voz grave  sussurrava em meu ouvido. Então fui assaltado por um medo que não conseguia explicar.

Talvez tenha sonhado com algo ruim e ao acordar não me lembrei do sonho, mas tinha alguma coisa estranha me incomodando.

Tive até mesmo a impressão de ver um rosto indefinido na escuridão que vinha da cozinha.

 Quando voltei para a cama demorei um pouco para dormir, ouvia vozes que pareciam me chamar e alguns barulhos estranhos na casa.

Estava zonzo e atordoado, e os pensamentos fervilhavam, se digladiando entre a racionalidade e os medos bobos.

Mil ideias e conexões catastróficas desfilavam à minha frente como se fossem modelos numa passarela. Modelos macabros.

Senti-me sufocado, parecia  estar com falta de ar, embora isso acontecesse apenas na garganta, os pulmões estavam livres. Fiz algumas respirações diafragmáticas puxando lentamente,  aspirando suavemente pelo nariz  e expirando também devagar pela boca. Isso me acalmou um pouco e consegui dormir.

E os raios de sol da manhã então vieram me resgatar.

Ansiedade, pensamentos acelerados, crise de pânico, estado intermediário entre o sono e o despertar... Não sei, Já senti coisas assim antes, mas dessa vez foi diferente.

Mas fico com a impressão de que alguma coisa fora de mim provocava aquele desconforto. Como se algo me espreitasse por entre as paredes. Talvez a resposta estivesse naquele rosto na escuridão.

Entre as paredes torturantes daquela casa e seus segredos, outra noite me espera. 


***

SEM AÇÃO NEM RAZÃO. 

Marcinho ouvia o que seu colega de trabalho, o verborragico Pedro  falava com muita atenção. O rapaz estava empolgado e defendia com voracidade suas ideias. Embora fossem desprovidas de sentido lógico Pedro trazia a razão dada pela crença ao seu lado Acreditava mesmo no que dizia e havia  juntando toda uma lógica capenga para defender suas teses.

 E Marcinho embora discordando não sabia como contestar, frente a tal determinação do colega. 

A intransigência faz a tolices virar verdade como em teses bem elaboradas. 

Apenas com um sinal de consentimento ficou ali orbitando em volta da tolice sem ação nem razão. 

***

CHAVES

 Chaves sempre saía de casa as seis da manha. Bem disposto e desenvolto em seus movimentos, o cinquentão baixo e sisudo,  usando a indefectível camisa z xadrez, calças pretas e  envolvido pelos arcos de pano do seu tradicional suspensório azul gostava de andar  tranquilamente pelas ruas da pequena cidade sendo quase espremidos pelas construções coloniais nos pequenos becos.  Aquelas ruelas mal o cabiam, não fosse pela dose excessiva de brilhantina que trazia frescor à sua cabeça de cabelos grisalhos, sentiria calor apesar de ainda estar tão cedo.  Gostava de andar um pouco todo dia antes de ir à igreja. Era sagrado: todo dia às 6:30 estava sentado na primeira fileira de bancos da velha matriz para assistir a primeira missa. Enquanto andava em direção á igreja ia fazendo suas orações e sentia-se animado e tranquilo.   Já estudara num seminário na juventude, e quase se tornou padre, mas desistir por se apaixonar por Doroteia, uma linda moça que conseguiu com sua beleza e encanto fazê-lo desistir de seu chamado. E  que também  o abandonou após o primeiro ano de casamento. O homem então se fechou em copas e tornou-se o que todos chamam de sistemático. Um  senhor metódico, cheio de manias,  rabugento e que não hesitava em apontar o dedo e descrever com minucias os defeitos dos outros. Isolou-se mergulhado em sua misantropia e   exigindo  de todos uma moral ilibada, um comportamento perfeito.  Sempre cobrando algo de alguém ou mostrando insatisfação com tudo a sua volta.  -Ah os tempos modernos... esse povo de hoje.... Não existe mais respeito. ...Sempre assim de cara fechada e carrancuda. Somente no frescor dessas manhãs consegue relaxar um pouco, até entrar na matriz onde ali retoma a sisudez e se fecha novamente para qualquer resquício  de vida que teime em entrar dentro de si.

Naquela manha enquanto seguia seu trajeto costumeiro, uma  coisa estranha lhe aconteceu. Duas moças muito bonitas vinham pela rua, pareciam bêbadas e no beco estreitíssimo, por mais que se esquivasse Chaves não pode evitar de esbarrar em uma delas. A moça atrevida vendo o desconforto do senhor e ao mesmo tempo percebendo que o toque o havia excitado aproveitou para provocá-lo.  Ela soube de imediato que despertara algo há muito reprimido naquele senhor que apesar de modos recatados ainda conservava em si um fogo aceso, que  muito ainda podia queimar.  Então disse com uma voz sussurrada e provocante

-Oi meu querido me desculpe se esbarrei em você lindo! Mas vejo que sua pele esta quente apesar da frescura dessa manhã. Quente e macia. Ah como eu adoro homens maduros e bem vestidos.  – O homem desconsertado  com a provocação, não sabia o que fazer.

A duas então se aproximaram e sussurraram em seus ouvidos  palavras que há muito o guardião da moral não ouvia e que despertaram uma parcela do seu ser que acreditava não mais existir.

Em seguida, uma delas disse: Venha, vamos rezar com gente.

E assim como em todas as manhãs seus Chaves foi atrás da reza, mas não numa direção bem contrária a da matriz.

Um pouco de atenção, um toque, carinho e sussurros, foram essas as chaves que abriram compotas fazendo jogar rios de aguas cristalinas, águas  há muito represadas.  

 

 

 

***

Sentiu firmeza 

Olhou para o que sentia e sentiu que nao se sentia bem. Então virou a roda, a roda do sentir, o volante das sensações, e passou a sentir diferente. O sentimento estava em si e não no mundo. Tudo acontecia ali dentro. Sentiu firmeza

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JÁ 

Jacinto sofria de ansiedade e isso desenvolvia dentro de si, a angustia  a depressão, e  crises de pânico.

Muitas vezes  se deixava levar pelas frases que essas nefastas senhoras  sussurravam  aos  seus ouvidos. Eram más conselheiras.

Todas o agrediam, mas a ansiedade era a pior delas.

Quando sentia algo ruim dizia para si: -Já sinto novamente essa sensação. E então se desesperava.

Daí, já era a calma, já se fora a tranquilidade, já estava tudo perdido. 

Sentia que já era tempo de resolver de vez tudo aquilo. Já não aguentava mais. 

Um dia elas insistiram que aquela situação deveria acabar JÁ! E ele  levou demais à sério, então tudo acabou de vez.  

Ansiedade... Jacinto... jaz se foi.  

***

Ela sabia

Abriu a porta da casa bem devagar... Queria sair sem ser visto... Empurrou o carro, fez um esforço tremendo para isso, na esquna ligou o veículo e foi.

 Foi até a casa de sua amante  e voltou algum  depois. 

Empurrou novamente o carro para colocá-lo na garagem. 

 Ninguem viu, ninguem acordou,  ninguem notou nada.

 So os rastros do segredo ficaram na garagem e como esses rastros são invisiveis.

 Ninguem reclamou de nada. A não ser sua consicencia. Ela sabia de tudo e sabia cobrar mais do que qualquer um. 

***

Extintor 

Estava  feliz e animado  fazendo a faxina. 

Foi apanhar o lixo, ao levantar-se, meteu a cabeça no extintor  de incêndio  que ficava logo acima do cesta. .

 O extintor  apagou todo o seu ânimo, 

***

Enquanto 

Enquanto  o homem todo acanhado  falava dos seus problemas, entre gagueiras e indecisões,  se esquecia que eles existiam . 

***

A cobra 


Ouviu uns ruídos estranhos pela casa. 

E sabia que ela estava ali. Uma cobra enrodilhada preparando para dar o bote. Já há muito sentia sua presença. Se esgueirando pela casa, aproximando -se devagar. 

Deu-lhe um golpe certeiro com o bastão da coragem. Ela se encolheu, se escondeu por debaixo de algum móvel.

Faltou-lhe coragem para eliminá-la de vez. 

Sabia que voltaria, ela sempre volta. 

***

Cedo demais 


Aqueles  momentos de amor surgiram como provas  de que a vida  trás  surpresas  e  que sempre é cedo demais  para pensar que tudo acabou. 
E outros virão. 


***
Ela espera

A morte pode esperar na esquina armada ou não. Ela ronda, ora vem silenciosa, ora estronda.  Não se preocupe numa curva qualquer ela te alcança...

***
Máscara

Apos a a noite mal dormida, vestiu a máscara de proteção contra a covid e a solidão e saiu a passos lentos pela rua.

***
Damas. 

O homem sentia muito sono e estava bambo. Não havia dormido direito por causa do seu encontro na noite anterior  e agora lutava com a sonolência do dia, a vista turva e  até um pouco de dor de cabeça. 
Sentia-se tenso e cansado depois de todo o esforço da noite passada. 
Fechou os olhos e voltou do sono ao  imaginar uma mulher voluptuosa à sua frente. Bonita exuberante, que insistia em mantê-lo acordado apesar de todo o seu cansaço. Um mini sonho erótico num cochilo.
 Aquela dama do sonho era muito parecida com a dama das noites  que invadia sua cama na madrugada, usava e abusava de seu corpo, o fazia virar-se pra lá e para cá sobre o leito num momento frenético e descontrolado. E o deixava assim cansado sem disposição para nada no dia seguinte.  Ela vinha todas as noites com  uma forte presença e o propósito de mantê-lo acordado. 
Dessa do dia não sabia o nome, mas a dama atrevida das noites se chama insônia. 

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Universos

Eu cantava junto com meu amigo enquanto ele me acompanhava ao violão. Eu desafinava ele dizia: não. Não é assim. 
E eu pensava: como é difícil visitar outros universos, mundos que não os nossos costumeiros. Quantos universos existem girando por aí, em cada cabeça em cada existir? Eu estava visitando o universo da música, mas não conhecia seus segredos. Era um alienígena naquele planeta. Sabia que existia aquele mundo, mas não sabia como era. 
Um novo mundo se abria para me receber e eu com um enorme medo de pisar em seu solo e conhecer seus recantos.  Quantos universos existem por ai...

***
...E meio 

João falou para o amigo: Ontem foi dia  "dus meu zano". Eu nem sabia, minha filha me ligou e disse que faria um almoço para mim em sua casa. 
Fiquei muito feliz porque nem estava lembrando que existia isso. 
 Então seu amigo o parabenizou e em seguido perguntou; -Quanto anos o senhor fez? . O homem pensou bastante e depois respondeu. Acho que foi setenta e quatro e meio. 

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Músculo 

Todo dia as três mulheres passam por aqui. 
Vão fazer caminhada. 
Mas observo que o músculo que mais exercitam é a língua. 

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A casa apronta

Durante toda a noite ouviu sons estranhos pela casa. Como se alguém corresse ou alguma coisa fosse arrastada. 
Mas ao fazer a ronda pelos cômodos nada encontrou. 
A mesma historia se repetia todas as noites.
 A casa aprontando de novo... 

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Fantoches 

o passarinho adentrou a casa. Buscava alimento.  Era uma vida buscando nutrir a si mesmo de mais vida. Mistério dos mistérios existente em casa. Tudo ordenado buscando seu caminho. Fantoches comandados por algo maior. Creio eu, apesar das controvérsias. 

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Pandemia pandemônio. 

A pandemia trouxe um pandemônio em sua vida.
 Rosa agora tinha o marido e os filhos em casa o tempo todo. E a nova realidade trazia alguns transtornos. Ah como eram bagunceiros e sabiam atormentá-la de todas as formas.  
Engraçado porque antes  reclamava da ausência deles e agora que os tem junto a si, sente-se incomodada. 
Pandemia das contradições, pandemônio do dia a dia. 

***
Água

A água desce devagar...
 vai escolhendo seu caminho sem bater de frente com nada. 
Vai lavrando a pedra enquanto nela se esfrega bem suavemente.
 -Escapo de tudo e um dia ainda furo essa pedra - Diz para si mesma gabando-se  da sua paciência e da sua capacidade de contornar obstáculos. 
 Não é à toa que é vida, pura vida...

***
Conhecer 

Ficou observando as coisas acontecerem e então descobriiu o quanto já conhecia do que achava não fazer a menor ideia.
 E a partir do que deduziu conhecer, montou um novo esquema. Nova estragégira. Afinal para isso serve o conhecimetno. Saber o caminho, traçar seu caminho. 
Agora sentindo mais de perto o delicioso aroma do conhecimento tudo seria mais fácil. Podia relaxar, se esbaldar, dominar a fera que ainda há pouco o assustava. Valeu a pena acreditar. 

***
Labirinto 

Estava num labirinto perigoso, sendo perseguido por monstros  horríveis  E não tinha  por onde escapar. Só  lhe resta  esperar achar a saída. Quem sabe quando acordasse! Ou talvez não...

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Cine Repolho

Era um cinéfilo diferente.
 Não gostava dos clássicos nem exaltava Almodovar como um rei.
Gostava dos filmes simples, comuns, frutos da milionária indústria cimematográfica holliudiana. Aquele do comércio, criticado pelos inimigos da cultura de massa e do capitalismo cultural. Nem deveria, mas era desse que ele gostava.
Filmes bobos, água com açuçar ou história banal de  ação alucinante. Uma  historia gostosa de assistir é o que  importa, dizia a todo instante Qualquer hora era hora de sessão da tarde.  Comédia boba, supsense de sustos  e até o sanguinario terror.
Se a atenção prendeu então valeu.
O filme tem que ter suspense para ter sabor esse é o molho.
 E ao invés de saborear pipoca, assistia filme comendo repolho.

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xinga-se

o homem muito nervoso xinga os vizinhos, não deixa escapar nenhum, e não esquece também de numerar neles seus próprios defeitos. Ele xinga-se.

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Segredos 

Ele tinha medo que descobrissem seus segredos porque sabia que jamais entenderiam aquelas coisas. Tudo parecia louco demais até quem sabe, ridiculo demais. 
Então resolveu fazer um mini conto para incitar a curiosidade de quem o lesse. 
Do que falava aquele escritor blogueiro? 
Pensou que revelar que existia um segredo já era revelar parte do segredo. 
Mas precisava escrever, jogar para fora,  provocar  e encabular o leitor. 
Então se abriu um pouco, mas só um pouco. 
Revelar tudo ? Jamais! Disso ele tinha medo.

***
ATÉ A MORTE

O sol forte está de rachar a muleira. Nossa que frio!. Ê chuvinha boa! Adoro uma chuvinha.   O calor quente está insuportável. A chuva molhada não me deixa secar a roupa. O preço do feijão está pela hora da morte. Politico é tudo igual.  A igreja só quer dinheiro. Esse povo de hoje. Antigamente contrato era o fio do bigode.  Advogado é tudo desonesto. Nada mais triste que a tristeza de um sorriso triste. Esse é bão, esse vai mudar o Brasil. Amanhã será um novo dia.   O importante é a qualidade e não a quantidade.   Lembremos que o amor tudo perdoa e mãe só tem uma.
  E assim vamos navegando entre aforismos e ideias preconcebidas até que morte nos separe. Seria cômico se não fosse trágico.

***
EM CASA

Com medo da pandemia  o homem quarentenando-se mergulhou em outros muitos medos. Livrou-de um medo criando outros.

TODOS INTROVERTIDOS

Eu sou introvertido. E sempre achei que meu jeito de ser estava destoando do mundo. Parecia que eu não me encaixava. Porque cobrava de mim que fosse igual aos outros.  Falasse muito, explicasse as coisas, interagisse, tivesse uma razão profunda nas minhas teorias e nos relatos. Queria ser o extrovertido, falante, brincalhão expansivo.  Queria não ser eu. E passei a nivelar tudo por isso. Todo o parâmetro de valor pessoal estava concentrado na minha interação com as pessoas. Se numa conversa eu conseguia me comunicar bem, então parabéns para mim eu estava fazendo certo. Mas se me mantinha calado então estava errado.
Mas eu não era desse jeito. Sou quieto calado. Não gosto muito de conversar, principalmente as conversas triviais sobre tempo e temperatura ou coisas do gênero. Não gosto de festa e de aglomerações, reuniões, fazer palestras participar de debates, nada disso. Prefiro a solitude do meu lar, me enterrar nas paginas de um livro, Saborear momentos que são só meus.
 Tentei negar minhas características naturais, mas não deu certo. Eu sou um ser para dentro. Todo introvertido pega o mundo cá fora e traz para dentro de si. Sente que a bateria das suas energias internas descarrega quando está no meio da multidão ou tem que interagir, e carrega quando está só.
Sou da introspecção, do pensamento, da reflexão. Gosto da solidão e de estar comigo mesmo. Gosto de ler, assistir filmes. Ficar quieto em casa. Ao contrario do que eu pensava nada disso é defeito. É qualidade para quem respeita seu jeito e vive de acordo com ele.
Um introvertido tentando ser extrovertido, é como alguém em um barco tentando remar contra uma forte correnteza. Tudo está contra si. É um anão lutando com um gigante, é alguém tentando parar uma chuva, ou apagar o sol. Inútil porque a natureza fala mais alto, melhor aceita-la. Melhor abraça-la. Só  assim se pode ser feliz.
Por muitas vezes tive vontade de morrer por ouvir muito barulhos e vontade de dar um murro na cara de um interlocutor que não parava de falar e falava coisas fúteis e sem sentido. A mania que as pessoas têm de ter certeza das coisas me irrita, porque acredito que a verdade é sempre relativa. o fim do dia de trabalho tendo que conviver com pessoas é estafante. E ninguém imagina a vontade que temos de chegar em casa e sair do convívio das pessoas.

Para quem não conhece ou não pensou sobre  isso vou explicar um pouco das diferenças entro introvertidos e extrovertidos.  Extrovertidos buscam o mundo dentro de si e o jogam para fora. Introvertidos pegam o mundo de fora e o jogam para dentro. Introvertidos não gostam de muitos barulhos, detestam gente que fala demais porque eles gostam de refletir calmamente sobre cada tema, e a pressa com que as pessoas falam não o dá tempo para isso, então se confundem. Temos a mania de ver as coisas sob vários aspectos e muitas extrovertidos não entendem isso porque eles pensam rápido demais, escolhe um lado e já o começam a defender como verdades absolutas sem analisar os vários lados da questão. Introvertidos precisam esmiuçar tudo até ter certeza.  Extrovertidos carregam a sua bateria dos ânimos no convívio  social e têm a carga dessa bateria fraca na solidão. Introvertidos se sentem carregados na solidão e no no convívio social depois de pouco tempo de conversa se sentem cansados e com vontade de se esconder.  A necessidade que um introvertido tem do convívio é mínima. Não gostamos de bate papo fútil nem de ficar de conversa fiada. Pessoas prolixas não dão nos nervos.  São muitas outras características e quem quiser conhecer mais eu indico pesquisar sobr jung que elaborar a teoria das personalidades e ler o livro o poder dos quietos de susam kain.
 Introversão e extroversão não são defeitos nem qualidade são características da personalidade de uma pessoa.
Mas eu não entendia isso e achava que tudo estava contra mim e o meu jeito de ser
Mas  até que veio a quarenta e acho que com elas as pessoas poderão entender melhor. A quarenta apresentou para as pessoas o jeito introvertido de ser e mostrou que ele é possível. É possível não basear a vida nos agitos, nas festas, nas mil reuniões, na correria do dia a dia. É possível ser feliz em casa vivendo mais com o família, assistindo filmes ou lendo. Todos estão descobrindo que existe bom no nosso jeito de ser. E que não necessitando tanto da expansão da extroversão.
Esse vírus fez as pessoas mudarem sua forma de ver a vida e todos os valores parecem que estão mudando.
Talvez agora com essa nova situação a velha ideias de que a introversão é algo doentio suma de vez da cabeça das pessoas
Porque pelo menos por algum tempo todos foram obrigados a serem introvertidos. E acredito que alguns introvertido  que assim como eu durante muito tempo ficaram namorando a falsa ideia de que a extroversão é a verdade possam agora abraçar definitivamente seu jeito de ser. E dar um viva a isso.

Que o mundo saiba que é possível ser introvertido e ser feliz. 

***
Cegueira 

A cerração o impedia de ver qualquer coisa à sua frente, as brumas o impediam de ver tudo ao seu lado, a vista embaçada o impedia até de  ver o chão ,  sua insensibilidade o impedia de ver tudo dentro de si.

***

O belo  voo

 O voo do pássaro era elegante e gracioso. Ele  planava no ar com suavidade...
Parecia um pássaro belo, mas nao era, belo era só o voo.  A vida  engana. 

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Máscara e ar. 

o homem com a máscara negra sentia-se sufocado, estava com falta de ar. Mas a máscara não era exatamente para evitar a futura falta de ar?

***
Depois.

Ele vivia no deixa para depois. Protelava tudo na vida. Acreditava sempre que o agora não era propício para fazer as coisas. E dava mil desculpas.

Deixava tudo para depois, até que um dia descobriu que não existia mais o depois.

***
Desafio 

Ele lia o livro por obrigação. Começou, não queria parar. Como se fosse um desafio chegar ao fim mesmo sem gostar. 
Sabia que isso não era bom, mas também não sabia como se libertar dos seus rituais. Esse seria o grande desafio . Dizer não ao algoz interno que o escravizava a todo instante. 
Pensando em vencer esse desafio pegou o livro e começou a lê-lo.

***
Quando

Quando a notícia  chegou ,a noite atravessou o  seu olhar apagando nele todo o brilho 


***

Máscara 

Pegou a máscara e colocou no rosto, sentiu-se 
protegido, era a barreira o forte, a muralha contra os agentes nocivos à sua saúde. Sentiu-se um herói por colocar a máscara. Herói da consciência protegendo a todos. E era mesmo.

***
conto pronto

o escritor estava sem inspiração para um novo conto.  mas gostava de contar, então  contou no conto que não tinha inspiração para o conto. E resolver ao final, para enfeitar... rimar. Terminou o conto e pronto e ponto. 

***
Padrões

José era muito criticado pelo seu jeito de ser. Sempre quieto calado em casa. Gostava de pensar, assistir filmes e ler. Introspectivo, interagia pouco e pensava demais. Estava sempre quieto num canto. 
Muitos achavam isso loucura porque o mundo quer agito, clama por gente falante, extroversão, reuniões, festas e coisas assim. Só valorizam quem é desse jeito. 
 Ser introvertido era motivo de chacota. Todos zombavam de José... 
 Até que veio a quarentena... 

***
Zé não é mané.

Eu no acredito em quarentena nem em vírus nem nessas coisas por aí. é tudo armação, coisa de comunista querendo atrapalhar  as coisas. Tudo mentira pura armação.  Não sou um mané, não sou um quarquer, sou inteligente e me chamo zé. .
***
Espalhava 

Ramon  era poeta e não esquecia de espalhar versos por todos os lados, . O que muitos não sabiam é que a não espalhava versos, mas sim pedaços de vidas. 

***
Despertares

Hoje acordou de repente. Vivo, aceso, já abraçando a vida.
Ontem acordou sonolento e indeciso. Demorou a abraçá-la.
Amanhã quem sabe demore mais. Ou menos
São despertares e abraços...Sempre acontecem. Num determinado momento do dia a luz se acende de verdade. 

***
Voz na mão 

Sou contador de casos, 
Mas só conto escrevendo.
 É que fico com a voz embargada por medos temores, emoções  quando vou falar . 
Ao escrever meus dedos não são embargados jamais. 
Acho que tenho a voz na mão. 

***

DEABAFO DE UM INTROVERTIDO  

  Eu não quero agito

Não quero reuniões

Associações, agremiações.

E outras aberrações

Eu quero solitude

Silêncio reflexão

Eu quero pensar, refletir.

Ler, escrever

Solamente florir e sorrir

Aqui no meu canto

Quietinho aqui 

No meu cantinho.

Me deem esse presente

apenas isso e nada mais

deixem-me quieto...

Pobre introvertido

Nesse mundo de barulho

Esse mundo que não cala nunca

Que não sabe ouvir

Que quer apenas festa e exteriorização

Pobre do introvertido, prisioneiro

Nas grades dessa prisão

Que tem que ouvir quem fala demais

Quem fala tudo o que pensa

Quem comenta sobre tudo o que vê

Presencia ou lê

Pobre e desesperado introvertido

Que luta contra um mundo cruel

Que não está nem aí para sua necessidade de silêncio

e de solidão.

Que desdenha seu jeito de ser

Que quer moldá-lo e conduzi-lo

Ah se pudéssemos soltar essas amarras!

As amarras do outro.

As amarras do mundo

Se existisse um outro mundo

Tudo seria bem melhor.

Um mundo de silêncio e paz

Um mundo que ficasse calado

E nos deixasse ser  calados

Deixasse-nos ser como somos

Talvez somente a morte

Possa dar-nos  a verdadeira paz

Que esse mundo nefasto e cruel

Não nos permite.

 


***
QUEM É SUA MÃE?

-Menino quem é sua mãe?
-Minha mãe Senhor é aquela mulher que me olha de um jeito que ninguém jamais vai olhar. Que cuida de mim, que dedica um amor sem igual. Minha mãe senhor é que me ensinou a rezar a fazer muitas cosias. Me educou, me deu exemplos. Acolhe aconselha,  abraça, afaga.
Capaz até de dar a vida por mim.  E o senhor quer que eu a defina? Ela é todo um universo de coisa boa. Difícil entender isso senhor.  Difícil responder quem é minha mãe. Mãe é mãe.

***

O que é ?

O senhor muito idoso tirou a máscara e saiu para a rua. O    que é isso ? coragem ou imprudência?

***
Jardim de mim

um lindo jardim dentro do meu ser. É lá que ele mora e sempre vai morar. O homem dizia essas frases para consolar-se pela morte do seu cachorro. Essa imaginam o ajudava a seguir em frente. Agora no jardim de mim ele está.

***
Lago Sereno

Lançou-se no lago sereno da leitura, mas num certo momento  se perdeu em pensamentos enquanto lia e sentiu que boiava no texto, então voltou atrás e ao invés de boiar. mergulhou.

***
Coroa vírus

 A bisavó colocou seu óculos de fundo de garrafa e se debruçou sobre o móvel olhando fixamente para ele. Depois se abaixou ainda mais até tocar na superfície da cômoda.
Seu neto que chegava perguntou curioso:
-Bisa, o que está acontecendo? O que a senhora está fazendo aí com a cara colada no móvel?
-Estou tentando ver o bichinho
-Que bichinho?
-Esse tal que causa doença nas pessoas. Esse salafrário que nem deixa a gente ir passear na praça. Safado desse coroa.
-Não vó não é assim. Ele é microscópico, muito, mas muito pequeno mesmo, precisa de um aparelho especial para observa-lo.A senhora não vai conseguir vê-lo com esses óculos. E não é coroa é corona
-Deixa de ser bobo menino. Esse óculo é muito bão. Foi um médico la de Belorzonte que receitou. Ele vê tudo.
- E se  o  bicho  fosse tao piquitito não ia fazer tanto mal.
-Vai cuidar da sua vida e não se intrometa, mas pode deixar quando eu achar o bicho eu te chamo para te mostrar...


***

O bichinho

O neurótico hipocondríaco andava pela rua, olhava para o ar e via um vírus piscando para ele.
 Já o conhecia das imagens que vira na internet e já eram íntimos pelo fato de aquele ser microscópico estar o tempo todo presente em seus pensamentos e em seus temores.
 O bichinho olhava, sorria e piscava.
 O homem se encolhia e queria correr.

***
Sussurro

Roberto era um escritor e estava sem inspiração naquele dia. Olhava para o arquivo do word aberto à sua frente e não sabia como começar aquele capítulo.
De repente ouviu um sussurro do seu lado..

. E então como que por mágica começou a escrever. Escreveu, escreveu sem parar. ..O melhor texto de toda a sua vida.

Parecia que viajava para vários lugares e versava sobre assuntos que não tinha o menor conhecimento. Era Expert em coisas que nunca vira.

Escreveu por oito horas sem parar.

Terminou naquele dia seu best-seller.

Depois do livro terminado o sussurro passou . Nunca mais o ouviu.

E nunca mais fez um texto tão bom


***
Ser

Insone levantou-se para tomar água e andou um pouco pela casa tentando se cansar e buscar o sono escondido em algum canto.
 Quando voltava para o quarto ouviu um barulho atrás de si e então a viu. Uma mulher...pensou ser uma mulher, mas não sabia ao certo o que era. Um ser feito de um material diferente, por mais que tente não consegue descrever do que era feito aquilo. Parecia de fumaça ou de areia, ou quem sabe de luz. Dava a impressão de  estar se dissolvendo pelo ar. Um ser que era real, mas não era. Algo que parecia estar alem de todos os conceitos. Algo sólido e volátil ao mesmo tempo.
 Logo ela sumiu pelos ares

. Nunca mais a viu, mas ainda a sente pela casa todas as noites..

***
Homem menino

O homem-menino sentiu medo, perdeu a razão, e quis sumir diante do homem-homem.

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No chão não

O menino levantou-se,  olhou para a vida que o derrubou e zombava de si e disse:
 Não aceito ficar no chão.

***
E se...E ses...

   Marina estava apavorada!

 Não bastasse as continuas crises de falta de ar provocadas pelas intensas crises da síndrome do pânico, e das mil doenças imaginarias que acumulava dentro de si, agora esse vírus dos infernos trazia mais motivos para ficar inculcada:  E se a falta de ar fosse por causa dele? E se aquele calor na testa fosse a febre provocada pela doença? E se aquele espirro da colega de trabalho do seu lado fez exalar no ar gotículas carregadas do famigerado bichinho? Se o álcool gel não funcionou?  E se não durasse mais uma semana?  Se fosse destruída por aquele  ser microscópico, tão pequeno e tão poderoso capaz de destruir um mundo inteiro? De onde vinha aquele ser? E se aquilo fosse um  castigo dos céus/? E se isso fosse o prenúncio do fim do mundo?  E se fosse...  fosse ironia do destino para nos mostrar nossa insignificância e provar que  um ser microscópico, sem nenhuma consciência de si é capaz de tanto, mostrar ao homem que ele não é nada diante das forças da natureza? E se fosse um agente do mal que vinha para  causar pânico e sofrimento em todo um planeta.

E os pensamentos se multiplicavam pela noite, acelerados, desconexos indagativos e salpicados de e ses. E se, e se, e se...

 Agora tinha um motivo a mais para os seus "E ses". Sim porque a moça já cultivava o hábito de  perguntar: e se eu morrer sufocada e se tiver um enfarto ou derrame? E se  acontecer isso? E se acontecer aquilo?

Corona virus agora é o terror dos encucados e cismados.

 E se isso não for uma gripe?   E se morrer? E se? E se? E se?

 Em pouco tempo estava totalmente encoberta por uma enorme montanha de "E ses "

***
Contradições

ziguezagueando pela casa numa noite escura o rapaz sentia todo o peso da solidão cair sobre seus ombros, as mais estranhas sensações que iam do sufoco ao regozijo  e a ciranda louca dos pensamentos acelerados girar em torno de si.

Estranho que parecia ter algo contraditório ali. Era como se a tristeza  a  melancolia e um certo orgulho se abraçassem.  Fossem protegidas por um algo bom e nobre  vindo da ideia da privacidade de poder sentir  e disso surgia um sentimento de  orgulho de si.
Nadando naquele mar bravio e tentando salvar-se agarrou-se à tabua do sentir. O ato de sentir é um privilegio quando bem aproveitado e mesmo que os sentimentos não sejam os melhores de serem sentidos o fato de estarem ali o faziam sentir-se vivo e não o deixavam se afogar.
 Era o dono de todas aquelas sensações e arrepios, e a ninguém devia prestar contas disso. Sentiu-se soberano.
Quando conseguia dar um passo para o lado, e observar seus pensamento com um certo distanciamento tudo parecia fazer sentir. Mas logo voltava para si e de novo era a vítima. E a contradição dos dois olhares ficou ali se alternando por toda a noite.
E ele se debatendo entre as ondas para lá e para lá.
Eis que viu até um certo glamour nessa odisseia noturna, glamour conseguido apenas nos momentos de intervalo entre os espasmos dos horrores.

o sentir ziguezagueava...

***

Expedição das letras.


O homem embrenhou-se pelas matas da leitura num faraônico safári. 
Numa louca  expedição em busca de riquezas  
E lá  enfrentou e venceu feras e encontrou mil tesouros. 
 Expedição de letras faça uma você também. 

***
Mão do tempo.

o homem olhava para si e não se via mais como antes. Parecia que a mão do tempo tinha  nele tocado e mudado todas as coisas. Mão do tempo, essa toca mesmo. Não, ela não falha.


***
Carrossel financeiro

Girando a roda. A labuta traz dinheiro e sonhos, espalhado num mosaico colorido. Viagens, empreemdimentos, investimentos e mil possiblidades de momentos .O dinheiro vira moto, a moto vira carro, depois vira livro, o livro vira sonho, e vira também divida, o sonho vira realidade. A moto vira dívida. O dinheiro vem e vira pagamento, o pagamento vira dívida,a divida vira moto, a moto vira sonho. A divida quitada vira paz. moto, carro, livro, agora tudo junto. E tudo se ajeita. Mas depois tem tudo isso de novo e muito mais.  É a roda da vida. o carrossel  finnceiro que a tudo comanda girando girando...

***
Olhar

 Como ele se via? Pensou que não era da melhor forma.
 Deveria se ver de forma diferente. Olhar para si como olhava para outrem.
 Sim! Eureka! Essa seria a solução!
 Olhar ...olhar... O jeito de olhar. O jeito de se ver.
 Valia a pena tentar.
 O olhar era um mergulhar num novo conceito. Agrupar ideias e sentimentos novos sobre si.
 Isso faria a diferente.
 Ah ideia redentora,! Arauta de novos tempos, que enche de gozo e esperança.

Olhar, apenas o olhar...

***
Palavra de descontração

As pessoas o sufocavam e a cerimônia prosseguia...  Não sentia-se bem sendo rodeado por tanta gente. Estava  apertado e sufocado. Queria espaço...
 Precisava mesmo de algo para refrigerar o ambiente. E esse algo veio em forma de benção de uma palavra de descontração que a todos fez  rir.
 Seria uma piada se não fosse dita sem querer.
E a ele trouxe relaxamento. Esqueceu-se do sufoco e de tudo o mais que o apertava.
 Ah das pequenas coisas surgem as grandes sensações!

***
O riso e o siso

Eu assistia á missa na igreja lotada e o clima  de solenidade da celebração foi interrompido por uma palavra trocada. O padre trocou os termos e algo ficou pejorativo. Mas isso fez o povo sentir-se vivo. Eu tentei, muitos tentaram, mas foi difícil conter o riso. Parei de rir, mas ri de novo. E a benção final solene foi proferida entre risos  do padre e do povo.  Melhor assim porque eu acho que o riso é mais abençoado que o siso.

***

Abismos dos mundos

O louco, se é que existe algum,  xingava do seu mundo. O não louco, se é que existe algum,  respondia do outro. Que abismo existia ali!. Que abismo!

***
Defasagem

o homem indignado porque não entende a defasagem no seu salário. Eu pensei: o grande problema é que seu voto está defasado.

***

A  Escada.
Um homem desce a escada suavemente, parece estar com medo de cair. A escadaria não é muito grande, são poucos degraus, pois trata-se de uma casa de dois pequenos  pavimentos.  Porém  quem o vê  assim tão indeciso pode apostar que não tem o hábito de usar  escadas, ou que esta lhe cause alguma espécie de fobia.
Mas, ele está acostumado a ver essa escada frequentemente, pois mora nessa casa por incontáveis anos. Talvez o trauma de um tombo tenha causado todo esse pavor. Os degraus rangem, balançam e tudo respira certa decadência.
 Uma casa mal cuidada com muita poeira guardada em cantos mal iluminados, carentes  de luz e de esperança . É madrugada e tudo está deserto. O silêncio seria completo não fossem os sons dessa descida.  
A casa é antiga, alguns moradores  também, os mistérios voam pelos ares em noites de vento,   e todos os que ali residem  já relataram  ouvir barulhos estranhos em certas  noites.  Alguns rangidos, sons  de correntes sendo arrastadas, uivos horripilantes,  essas coisas que todos aqueles que acreditam em fantasmas costumam contar.
Ele chega ao final  da escada e resolve voltar pois, esqueceu algo lá em cima .Faz um muxoxo lamentando a sua falta de atenção.
E assim sobe novamente, porém dessa vez sem medo e sem  usar nenhum degrau...

MÚCIO ATAIDE 

***

Autoria Múcio Ataide

Era manhã de domingo
eu voltava de uma viagem
na estrada de terra o ônibus sacolejava
irritante
E  apesar do meu apreço por estar na estrada
aquele sacolejo me parecia assaz irritante
e a vida cinzenta como a poeira da estrada.
do meu lado uma menina que parecia ter mais
ou menos oito anos, Inquieta em seu assento
espichava o pescoço no rumo da estrada
ansioamente esperando
E eu observava aquela criança
e sua doce espera de maneira curiosa
De repente no proximo ponto
tudo mudou
e vi florir naquele rosto infante o mais
terno, e doce sorriso
e no olhar um marejar brilhante
alguem na estrada, que a fez sorrir
e na parada ela grita

e aquela  senhora que esperava, sorri também
aquele som "Vó" me emocionou
um brado intenso, visceral profundo
me fez voar pelas peraltisses da infância
me transportou diretamente para
a casa da minha "vó"
Naquele momento, eu vi a profundidade do sentir
eu vi a beleza do afeto florindo, do âmago do sentimento
da alegria de se amar alguem
de encontrar alguem que se ama
o "vó" soou como uma alerta
um sacolejar  em mim
como o sacolejar da condução
um pedido: "acorda" para as possibilidade
ao seu redor
afeto no ar, sentimento  a despertar
emoção, pequenos lindos momentos
a vida é isso
essa é a verdade
aquele pequeno rosto
aquela palavra "vó"
nunca vi tanta alegria
tanto sentimento
tanto contentamento
naquele encontro.
naquele momento.
E a estrada à minha frente
se iluminou,
e a chama da fé na vida
ja quase apagando em mim
reacendeu,  outra vez brilhou.
***
Eu deus

Onde eu vou o cachorro vai, o tempo todo atras de mim. Não ele não me perde de vista um minuto. Acho que sou o chefe da matilha, o  pai, o senhor o deus dele. Acho que me vê como alguém especial. Justo eu que sou apenas um homem comum que ama o cão e que o tem como um ser especial.

***
Tedio
O tédio da tarde revelava-se nas horas sem vida que se arrastam infinitamente.

***
Pingar

A chuva caía devagar trazendo  serenidade em cada pingo.
Ele adorava aquilo.Sentia como se sua alma estivesse sendo lavada.
A água que caía limpava a pressa, a ansiedade e os medos.
O aconchego desse pingar era como um abraço terno e gostoso da natureza naquela maravilhosa manhã de sexta-feira.

***
Tempo

O relógio despertou ele obediente se levantou, tudo a seu tempo e o tempo por todo o dia reinou. O tempo era a estrela do seu dia e ele o obedecia de forma rigorosa.  O relógio bateu  22:00 e ele se deitou. Igual ontem e anteontem. O tempo, sempre o tempo senhor de tudo.

***
Chuva  e indecisão

Uma chuva caía fina naquela manhã.
 O homem  estava vivendo um dos seus maiores dilemas a indecisão. Era indeciso em tudo. E a questão agora era decidir se ia para o trabalho de carro ou com seu enorme guarda-chuvas.
 Se fosse de carro chegaria mais rápido e não corria o risco de se molhar caso a chuva aumentasse. de guarda-chuvas, porém poderia passear pelas ruas fazer uma bela caminhada matinal.
 E a esses foram sendo somados outros prós e contras. A indecisão era sua amiga.
 Achou um meio termo.  Acabou indo de carro, levando o guarda-chuvas para que na hora do almoço viesse e voltasse  à pé.

***

Altos papos

Os dois batiam altos papos. Diferentes, inusitados regados  com vinho e bobagens. Eram os melhores momentos do seu dia. Bate papo virtual com direito a todos os benefícios da imaginação.

***
Pinga

Pingava chuva na goteira e o homem ia se embriagando de aconchego.

***
Rastros

Aquela bonita,  estrela que brilhou naquela  noite tao diferente, deixou um rastro de luz no ceu!
E ainda hoje nos ilumina. Suas fagulhas de luz ainda pairam sobre nos.


***
Ilusões

O homem estava diante do computador, escrevendo o que sentia enquanto a madrugada endossava  suas ilusões.

***

Estrela vem

Quando chega o final de novembro ele sempre olha para o céu e imagina que uma estrelinha muito pequena e muito  lá distante está se aproximando da Terra. A estrela vem. E ela vai aos poucos se agigantando, chegando mais perto, mais perto, mais perto... Torna-se muito brilhante e ofusca a todos com seu explendor. Que sempre esteja brilhando essa estrela!

***
Caíam
Mùcio Ataide 

Na hora do enterro as lágrimas caíam. Caíam pelo chão as mágoas, as palavras não ditas, os afetos sufocados pelas contingências da vida,  a dureza dos olhares, as indiferenças,  as palavras ásperas, o destempero, os excessos... Caía  ao chão o pavor do nunca mais e o desespero do tempo perdido.   Não eram apenas lágrimas que caíam, eram  pedaços de vida... 

***

No meio

O jovem humorista  fora ousado nos seu post sobre politica, causando risos de aplauso e muxoxos de indignação. Ele sabia que a verdade estava   numa balança, e podia pender para lá ou para cá. Exatamente no meio.

***
Razões no bolso

Duas pessoas discutindo sobre politica. E cada uma tirava a  sua razão do bolso e dizia que a sua era a mais bonita. Estranho é que os dois tinham os bolsos furados.

***
Lixo

Enquanto levava o saco de lixo para o local onde a coleta publica se encarregaria de dar um fim a ele, o homem  pensava sobre as inutilidades da vida. E ali no monturo de lixo, um montão de coisas objetos, restos de comidas desejos, tudo o que a vida joga fora. Para onde vai? Talvez se recicle isso em novos valores,! Talvez apenas fique no subterrâneo, na podridão que ninguém quer ver. Joga o que é ruim no lixo, se livre para sempre, faz de conta que esse lado sujo e das inutilidades vá se extinguir dentro daquele saco.  O que todos nós jogamos fora e o que não jogamos, o que atulhamos em nós? Como as coisas mudam! O que hoje representa muito, amanhã será nada. No montão de lixo estava tudo o que sobrou do que um dia foi esperança e vida. Pensou que esse pensar talvez também fosse uma inutilidade.



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Sem saber  não soube.

O escritor entrou no seu editor de texto para escrever um conto. Mas não sabia sobre o que escrever. Então escreveu sobre a falta de ideias disse: não sei o que escrever.  Escreveu sobre o nao escrever, mas escreveu.  E assim o conto ficou escrito. Contou a historia de um escritor de contos que não sabia sobre o que escrever e escreveu que não sabia sobre o que escrever. Ou seja sem saber sobre o que escrever escreveu que não sabia porque não sabia mesmo.  E enfatizou isso e então o conto acabou sem escrever nada apenas sobre o fato de que não sabia sobre o que escrever. E assim o conto acabou...

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PENA

Agora pego na pena para escrever

Que pena!

 Dizem que na sexta-feira é dia de chamar urubu de meu louro. Penas pretas se transformam em penas verdes e coloridas.
Mas quem disse que não se pode chamar louro de meu urubu?
 Pelo congraçamento entre as diferentes espécies de penas e contra todas as formas de preconceito acho que essa seria uma atitude bem coerente.  Pena que as pessoas não a adotem.

Tenho pena daqueles que mesmo tendo penas sofrem penas por serem discriminados e ninguém, deles tem pena.

Que pena que esse texto acabou.


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Rainha

   O homem chegou do hospital e trouxe uma penca de remédios. Numa pequena sacolinha pilulas coloridas de todos os formatos.

   A saúde encaixotada era a solução para a saúde livre que se foi. E quando ela voa tal qual pássaro dotado de suprema liberdade  e some no horizonte é que percebemos seu valor e sua beleza.

   Além das lembrança das noites mal dormidas, das inúmeras agulhadas, da comida ruim e de todo o clima do hospital sobrou o amargo na boca, a obrigação de tomar aqueles comprimidos e a enorme vontade de vê-la novamente pousando livremente sobre si.

   Antes era súdita a quem  tratava com desdém  agora é a mais venerada e admirada rainha.

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Ânimo

O rapaz olhou para a linda manhã de sol e em frente a ela  empunhou o animo que pegou num cantinho escondido do seu peito.

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Sinfonia

Os pingos da chuva batiam na janela e aquela era a mais linda sinfonia. La de cima a dama vinha trazendo vida, fartura, aconchego. Sua sinfonia varava a noite num espetáculo de harmonia e de beleza. Tudo muito afinado, tudo muito divino...

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Piscada

A estrela piscou quando viu o garoto. Ele era muito bonito e a estrela ainda o protegia mesmo agora lá de cima ainda o guiava. Piscava quando o via da mesma forma que antes

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Amigas do céu.

A lua passeia pelas avenidas do céu, rainha absoluta da noite.
De quando em quando para e cumprimenta as estrelas e muitas vezes  as convida para andarem juntas. Então uma estrela passa a andar ao seu lado e conversam tranquilamente pela madrugada colorida. Ficam com certeza falando das coisas da terra e de tudo o que veem.
Talvez se deliciam com aqueles homens que rondam a noite atrás da poesia se encantando com tanto brilho ou outros que derramam sentimentos em lindas canções.
 Lá de cima sentem os cheiros e os sabores de tudo o que se passa por aqui.
Depois de um tempo ela muda de amiga e então a vida continua...
 Alguns bobões a quem chamam de astrônomos nominam  suas amigas de planetas, mas ela se indigna com isso. Que coisa mais boba e sem poesia! Suas amigas fazem parte da trupe do grande espetáculo das noites naquele enorme palco, que poucos aplaudem, mas que sempre será deslumbrante.

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Pregação 

O pastor pregava Deus  através de palavras e atitudes. Através das palavras com a falácia, através das atitudes com pregos bem batidos. 
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Estrada

A estrada para ele não era um caminho, era já a chegada.


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Tardinha.

O dia terminava numa tarde triste. O céu era um misto de vermelho e amarelo um maravilhoso degradê. As cores se misturavam emaranhadas num novelo de beleza e encanto. Um vento frio de inverno soprava, um sino ao longe anunciava Ave Maria e a escuridão aos poucos apagando as cores do dia...
José estava sentado no mourão da porteira com um olhar distante perdido no horizonte  vendo o maravilhoso espetáculo.    Sempre em tardes assim era envolto por uma  atrevida melancolia que vinha sempre acompanhada de um estranho arrepio que  percorria todo o seu corpo e o fazia gelar.   Era o momento de ser invadido pelas lembranças e indagações.  Passava em revista toda a vida fazendo uma espécie de retrospectiva, analisando as perdas e acertos e lamentando muita coisa:  Lembranças  ao longe acenando,   a meninice perdida nos escombros do tempo, ouvia as frases não ditas, os milhares de eu te amo não proferidos ao longo da existência, as dores sepultadas no tempo, a vida se esvaindo e tantas outras coisas, mil ideias, um universo de divagações...
A tarde é uma dama bonita, elegante, sedutora,  mas que carrega consigo um mar de tristezas. Com seu doce beijo ela faz acordar todas as mágoas e todos os lamentos.
 Ficou olhando aquilo até que a noite apagou de vez o colorido, mas não apagou a tristeza.



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Brilhante

Saiu lá fora e olhou para o infinito
A noite estava clara e alegre com uma lua prateada derramando poesia  e  muitas  estrelas salpicando a pele azul marinho daquele céu, ostentava uma certa tristeza e desolação.
Entre as estrelas tinha uma bem  maior, impossível de não ser notada.
  Sentou-se no pequeno banquinho de madeira, colocou as mãos sobre o rosto e novamente chorou. Aquilo parecia não acabar mais.  Pensou que guardava dentro de si um verdadeiro rio de lágrimas que atacado por uma forte tempestade  não  parava de transbordar. Mas também perder para sempre  aquela pessoa tão especial não era nada fácil. Mãe vai muito além de um conceito, muito além de tudo o que se possa imaginar. A dor era uma fera selvagem que  dilacerava  cada poro do seu ser e o fazia refém de  suas presas e garras afiadas.
E agora ali olhando aquela noite tão bonita e triste lembrou-se de uma outra noite  como aquela.  Deixou-se transportar para o passado e se viu ali naquele mesmo banquinho ao lado dela olhando as estrelas e conversando:
-Olha só mãe que noite maravilhosa!
-Ah é mesmo filho e a nossa estrela continua lá.
-Ah você com essa historia de nossa estrela.
-Você era pequeno e eu disse que uma estrela seria nossa. E toda vez que a gente olhasse para ela, nos lembraríamos um do outro. Em qualquer lugar e em qualquer fase da vida. É aquela mais brilhante.

Ele então enxugou  o pranto, olhou para a estrela, mandou um beijo e talvez por uma ilusão ou alucinação causada pela dor teve a impressão de que a estrela intensificou seu brilho durante alguns segundos, depois voltou ao normal. Como se ela tivesse piscado para ele. Depois disso sentiu-se melhor e foi deitar-se. Agora sabia que aquela estrela sempre estaria lá e sempre poderia olhá-la e acenar-lhe. A estrela não se apagaria jamais...


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Não Bambeia.

A festa estava animada.
 Tereza queria pular, mas estava com medo. A pequena fogueira já estava quase apagando e as amigas juravam que se pulasse casaria. Era simpatia antiga, após o pulo falaria três vezes  bem baixinho:  “Santo Antônio vem me ajudar eu quero casar, Santo Antônio vem me ajudar  eu quero casar,  Santo Antônio vem me ajudar eu quero casar”.  Não podia perder a chance, depois dessa só daqui há um ano. Certa vez  enterrara o pobre santo de cabeça para baixo, mas parece que só por pirraça ele não quis colaborar. Agora seria mais simpática com os versinhos quem sabe assim conseguiria.
Deu uma volta pelo terreiro para criar coragem, distraiu-se um pouco e esqueceu sua angustia ao ver a turma animada dançando o arrasta-pé, enquanto as peneiras cheias  de biscoitos, pipoca e canjica  rodavam para lá e para cá. Adorava  as festas juninas, era quando a casa se iluminava. Uma luz brilhando naquele ermo sem graça de dias e dias insonsos sem nada de extraordinário acontecer. Agora estava ali sentindo toda aquela alegria no ar. Casa branca ao pé da serra,  terreiro de chão batido, dança e música, a bandeira de santo Antônio imponente em cima do mastro depois do divertido não bambeia não... Era o pouco de diversão que podia existir na vida daquela moça da roça, não muito bonita, cheia de sonhos e esperanças,  presa à rotina massacrante daquele ermo, um reduto de espera no meio do nada.  Mas a noite estava linda e a vida era boa apesar de tudo.
 Lembrou-se que devia pular a fogueira e a angústia da dúvida voltou.
 Decidiu-se enfim e deu aquele impulso no corpo, mas no momento em que terminava o pulo, bambeou, desequilibrou-se, quase caiu e foi segurada pelas mãos firmes e até atrevidas de João da Silva. Pronto, tudo resolvido, não precisava nem recitar os versos.  Por causa daquelas mãos firmes em sua cintura e daquele olhar  malicioso do rapaz, sabia que  o pulo havia valido. Obrigado Santo Antônio. Agora era só dançar a quadrinha e seguir o “não bambeia não” da vida...

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O BUQUÊ
Maria pegou algumas flores do enorme buquê. Usaria apenas algumas flores  para fazer a famosa  brincadeira de jogar para trás e ver quem vai pegar.   Quem pegasse seria o próximo ou a próxima. Adorava aquela brincadeira sempre quis pegar, mas nunca conseguiu. Ia a todos os casamentos, mas nunca o fez e finalmente chegou sua vez de jogar. Mesmo sem ter pego buque algum ao longo da vida conseguiu chegar até àquele momento. E estava alucinadamente feliz. Todos diziam que ela não batia bem das bolas, mas ela não se importava. A felicidade é o que realmente importa nessa vida mesmo que os outros a condenem por suas atitudes exageradas.  Foi ao ponto central do salão  subiu em uma cadeira e jogou o buque, mas curiosamente ninguém quis pegar. Ficaram olhando atônitos. Ouviu então a voz de sua mãe dizer chorando:
-Filha! Vamos para casa você precisa tomar seu remédio.
-Mãe,  por que ninguém quis pegar o buque que eu joguei com tanto carinho? Peguei as flores  daquele buque grandão joguei e ninguém pegou. Será que ninguém aqui quer casar?
- Filha, nós estamos no velório do seu pai e aquele buque grandão onde você pegou as flores é uma coroa que recebemos de homenagem.
- Ah mãe então deve ser por isso. Ninguém quer ser o próximo.




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ERA OU NÃO ERA?
Autoria Múcio Ataide.
-Ei Juca! O que houve? Está aí há quase uma hora parado olhando para o ar, parece hipnotizado.
-Estou aqui viajando nos pensamentos.  Olhando a nossa turma e lembrando  aqueles velhos tempos. Ah como era bom!
-É mesmo, eu também me lembro, mas estou  feliz por continuarmos juntos. Desde moleques que a gente apronta por essa cidade!
-João Prosa , Juca e Nelsinho .  Esse trio é da pesada!
-É João prosa,  mas as coisas já não  são mais como antes.
- Por que você diz isso? Afinal de contas  estamos aqui juntos.
-É, mas antigamente tudo era melhor. A gente tinha mais animação.
-Sim, de uma certa forma Juca.  Os eflúvios da juventude pairavam no ar.
-Desde a infância quando brincávamos juntos pelas praças e quintais dessa cidade que a nossa amizade é algo grande e muito importante. Depois veio a mocidade e os namoros e a turma sempre junta. Lembram-se da escola, das paqueras  dos bailes e das bebedeiras ?
--Sim Juca,  me lembro de tudo isso. Sempre foi muito bom
É a máxima  Ataulfiana:  Éramos felizes e não sabíamos.
-Ora, mas o Juquinha está mesmo saudosista  hoje!
-Ah saudade me invade nessa cidade!  Oh rimou!
-Juca eu acho tudo isso estranho.
-Como assim João?  Explica melhor...
-Eu acho que a gente não tem saudade do que viveu, mas sim do que não viveu. Calma, não precisa dessas caras de espanto porque eu vou explicar.
-Quem vê você falando assim pensa até que naquela época estava o tempo todo acompanhado por essa felicidade imensa!  Mas a coisa não era bem assim. Você sente saudade  do que seria o sentimento ideal para a época não do que sentia de verdade. Está se iludindo.  A  saudade que sente   hoje está baseada no ideal e não no real. Porque tudo era visto como corriqueiro e a vida era cheia de problemas e reclamações como sempre.  É uma ilusão essa de que no passado tudo era maravilhoso. É especial hoje porque você está lembrando. Pintamos  todo um colorido na historia, mas na realidade  tudo  era bem mais para o tom de cinza. Você diz que tinha saudade da escola, mas me lembro bem que você xingava aquela escola e dizia que estava ansioso para ver chegar o fim de tudo aquilo. Queria se formar logo para ficar livre dos cadernos, das apostilas dos professores chatos... E quanto aos tais bailes não tinham na época o mesmo glamour porque me lembro de você emburrado em muitos deles.  Tudo era normal enquanto deveria ser especial dessa forma mágica que você vê agora. Sua  saudade  é  do que deveria ter vivido, do que deveria ter sentido, não do que viveu e sentiu. Talvez isso seja um  certo lamento por não ter feito a coisa certa e adequado um sentimento bom a cada momento da vida valorizando-a em plenitude.  Esse  saudosismo que as pessoas tanto falam, esse apego ao passado talvez  seja a frustação porque sabem que deveriam dar mais valor à vida e aos acontecimentos. E naquele passado “maravilhoso” não  deram esse devido valor. Você não tem saudade do que viveu nem do que sentiu. Você tem saudade do que deveria ter vivido ou sentido. Me desculpe repetir isso mas é só para enfatizar.  O passado é uma grande ilusão e acho que o futuro também. 
-Eu entendo João prosa,  faz sentido o que você diz mas hoje tudo é tão sem graça!
- Será mesmo? Será que você não está repetindo a historia. Quem  garante que no futuro não sentirá a mesma saudade do hoje? E que esses momentos que vivemos agora, aqui reunidos, na maturidade da vida não serão também colocados no balaio do era feliz e não sabia?   Qualquer ser humano de qualquer idade e condição só tem o presente, o passado não existe mais e sobre ele temos mil fantasias e enganos, o futuro quem sabe se virá? Daqui a um minuto pode garantir que estará aqui? – Não damos valor ao hoje,  nos concentramos apenas no passado e no futuro, o presente é uma coisa qualquer, um intervalo, no entanto é o único que temos de verdade.

-Mas sendo assim João Prosa  a frase faz ainda mais sentido:  Éramos felizes e não sabíamos.
Sim concordo,  a frase é correta mas não deveria ser assim. Nos iludimos um pouco com a interpretação dela.  Talvez o correto seria: Naquela época   eu deveria saber que podia ser feliz
- Sabe o que eu quero mesmo de agora em diante?
-Olha só Juca,  o nosso reflexivo  amigo Nelsinho finalmente se manifestou na conversa.  Diga amigo o que você quer?
- Daqui há algum tempo  dizer: Eu era feliz e sabia.  Como hoje eu sou e sei.   



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MEDO

O medo insistia em se esconder no meio do escuridão.

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