sexta-feira, 15 de março de 2019

Chicletinho



José andava sempre seguido pelo cachorro. Era o fiel companheiro.  Onde ele ia o cachorro ia atrás.
Apelidou-o de chicletinho sempre grudado no dono. E  para ficar ainda mais carinhoso o apelido, depois de algum tempo passou a chamá-lo de chicletinho de orelha. O cão atendia sempre que o chamava assim. Era um amigo dócil e companheiro de todos os momentos.
Os dois andavam pelas ruas. De vez em quando se olhavam. Era um olhar de ternura e proteção do chicletinho para o homem e do homem para o chicletinho. Naquele olhar  podia-se notar toneladas de ternura e outras tantas toneladas de cumplicidade.  Se completavam, se aninhavam, se protegiam.
 o cachorro ia à frente, mas de vez em quando parava, olhava o dono com aquele olhar como quem está  conferindo se seu fiel protetor estava mesmo por perto e então se punha novamente a a andar.
Chegaram às margens de uma avenida muito movimentada. O homem atreveu-se a atravessar a barulhenta via, mesmo sabendo do risco e da possibilidade de ali ser ceifada sua vida. Os carros passavam como foguetes quase não se podia ver suas cores, eram manchas coloridas riscando o tempo e o espaço. Tinha uma passarela logo à frente, mas ele a ignorou.  Acreditou na sorte e seu chicletinho também. No momento da travessia desequilibrou-se e caiu  ouviu o som irritante de uma freada e olhou atônito dois faróis se aproximarem muito rapidamente. Como olhos inquisidores que cobravam satisfação pela sua irresponsabilidade vieram sobre ele e o engoliram. Um corpo estirado no chão, cena talvez corriqueiros nos agitos de mais uma manhã naquela cidade louca.
O chicletinho ficou ali, atento, protegendo seu dono e bradando com todos que se aproximavam. Tinha ali o seu tesouro de afeto e precisava protegê-lo.
Quando o resgate chegou os paramédicos se esforçaram para atender o homem pois o cão estava arredio e não deixava que ninguém chegasse perto.
  com muita dificuldade conseguirem colocar aquele senhor na ambulância, o que de nada adiantaria pois morreria poucos segundos depois.
 chicletinho saiu desesperado atrás, correu feito um louco até que não mais conseguiu acompanhar o veículo. A principio resoluto depois foi se cansando e seus passos ficaram lentos. Não conseguia mais.
E viu seu fiel parceiro sumir para sempre entre todos aqueles carros.  Seus olhos tristes ao longe. A vida! Num instante temos tudo e no outro não temos nada. Antes: o olhar terno e seguro que tem protege e é  protegido. Agora: o olhar triste do abandono e do nunca mais.
Seguiu pelas ruas. Não era mais chicletinho de ninguém.

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