terça-feira, 1 de dezembro de 2020

 NOITE FELIZ NO CANTINHO 

 

Cheguei  à festa. A mesma balbúrdia de sempre. No começo gostei,Fiquei animado com as brincadeiras dos mais exaltados, cumprimentei a uns e a outros com meu jeito acanhado e depois de algum tempo aquilo começou a me incomodar.

Sou introvertido e muito tímido e essas reuniões sociais são bem complicadas para mim.

Gosto do natal e acho importante a reunião da família e a celebração, mas o meu jeito de ser e minhas limitações não me permitem sentir-me à vontade nesses momentos.

Horrorizei-me ao pensar que logo viria o amigo oculto e queimei de vergonha ao pensar que teria que ir à frente da roda, dizer palavras, tentar advinhas, me expor. Tudo isso deixava-me estarrecido. Ainda mais ao pensar que deveria pagar prenda e fazer alguma palhaçada caso não adivinhasse quem era meu amigo secreto.

Fiquei tenso a maior parte do tempo, me esquivando das conversas, respondendo monossilabicamente.

Pensava muito, cogitava mil coisas.

Não tinha respostas para muitas perguntas. Sofri nas mãos do primo Alfredo, chato, sarcástico brincalhão que sempre me colocava numa situação constrangedora fazendo  perguntas e lançando dúvidas no ar com mil insinuações. “ nunca vi ele namorando” " será que é?" “ficou vermelho” “ será que o gato comeu a língua dele...  

Incomodava-me aquele falatório. Não conseguia acompanhar o raciocínio deles. Tudo era rápido demais, agitado demais, fútil demais. Flashes das conversas do ambiente passavam pela minha cabeça que fazia mil conjecturas sem saber o que dizer. Estava confuso e atônito Ficava apenas ouvido

"a uva passa é que dá o  sabor"

"Mas tem que por essa disgreta dessa uva passa em tudo"

"Esse presidente vai resolver...vai armar o povo...

"Nós precisamos é de revolução"

"O cruzeiro não vai conseguir. – Ah  vai você vai ver vai ser o campeão"

"Dizem que Jesus nasceu foi em março"

-A vó tá quase boa...

-Isso aí é pavê ou pacumê?

"Daqui uns dias vamos enterrar o velho"

"o cara tem que saber conversar fica parecendo bobo"

E blá blá blá...

Sentia-me exausto sem ter feito nenhum esforço físico. Minhas energias foram sugadas totalmente. Pensava comigo. Ah se as pessoas soubessem como essas reuniões são difíceis para mim  e do turbilhão de ideias que passam pela minha cabeça! A confusão mental, a indecisão, os barulhos tudo aquilo atormentava. 

É muito difícil não saber onde colocar as mãos e nem o que dizer. Buscar em vão o raciocínio e a ordenação das ideias. A resposta certa para aquela pergunta capiciosa, que nunca vem. Na verdade a resposta vem logo mais... quando estiver só em casa ,ela vai aparecer, perfeita, arrebatadora, infalível. Mas ali só conseguia balançar a cabeça balbuciar algumas coisas ininteligíveis e  dar aquele  sorrisinho sem graça.

Era assim que me sentia naquela festa. E ali continuei  ansioso  para que tudo terminasse.

Passei pelo amigo oculto aos trancos e barrancos. Atrapalhei-me todo com a prenda. Quando fui comer tive dificuldades para me portar à mesa, não sabia onde colocar as mãos, todo sem jeito.

Me cansei e fui  procurar um cantinho mais sossegado. Numa pequena saleta me senti melhor.  E ali fiquei.  Parecia até que as pessoas entenderam meu proposito e me deixaram quieto.

Quando la estava vi tia Cota. A irmã de minha avó que havia sofrido AVC no ano anterior, não andava e não conseguia falar. Aproximei-me dela e me senti bem. Abracei-a e desejei feliz natal. Conversei com ela. Ali não havia tanto barulho e aquela senhora apesar de não falar parecia entender o que eu dizia. Eramos dois no canto, distantes da turma dos agitados faladores.  Por motivos diferentes estávamos ali, mas conseguíamos nos entender. Tinha a atenção dela toda voltada para mim. Falei o que sentia e me ouviu atentamente. Ela também estava fora do grupo, deixada ali no canto. Os dois no canto, afastados da turma que faladores. Dois que não  se encaixavam no grupo, não entravam no jogo. Ali encontei o apoio e um olhar terno de alguém que  me compreendia.

-Um feliz e abençoado natal tia Cota. Emocionado e agradecido. Agora sim, estava comemorando o natal de verdade

-Ela não respondeu, nem se moveu, mas uma lágrima de agradecimento desceu de seu olhar. Eu estava ali ao seu lado, dera-lhe atenção e recebera a atenção, calma  serena, profunda e verdadeira,, isso era o que realmente importava.

E  ali no cantinho, com uma  unica e verdadeira amiga aquela acabou sendo  uma noite feliz.

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