quarta-feira, 23 de março de 2022

DA SÉRIE PEDAÇOS DE VIDA - A REZA E A FESTA

 Eu seguia pela longa avenida. Estava animado porque estava indo  para a festa. A cidade era luz MG. Uma bela cidade do nosso interior mineiro.

A velha historia de sonhar com momentos bons  e fazer o sonho acontecer. Planejar a viagem, me arrumar, colocar a esperança na mochila e seguir pela estrada.  E no trajeto descobrir mil coisas boas: O hotel e o sempre delicioso café da manhã, conhecer a cidade suas ruas, praças, monumentos,  igrejaqs, seus cantos e encantos, os restaurantes com seus também  deliciosos pratos, parada gostosa entre uma caminhada e outra, as tardes de reflexões e planos, as  lanchonetes e bares onde se prova os sabores do lugar.    As promessas de diversão e aventura que povoam a mente. E a noite com seus mistériose suas luzes. Um conjunto de prazeres que incluía aquela caminhada solitária rumo à festa.  Algumas realizações planejadas com esmero já  haviam acontecido e outras ainda viriam. Dali a pouco a alegria da festa, as pessoas bem traiadas, como se costuma dizer, andando para lá e para cá, os sabores e cheiros, o perigo pulando na arena, as luzes do palco e muitas, muitas coisas boas mais. Alegrias, muitas  alegria! Prazeres e promessas de prazeres.

Muitos carros passavam e  pedestres também, todos animados para a festa de peão. O rodeio, os shows as novidades geravam um  clima de alegria que invadia a cidade e trazia de longe muitos  visitantes que vinham com o ânimo na mochila e a vontade de curtir a vida e aproveitar  tudinho. E eu era um deles.

Enquanto andava olhei para traz e vi um espectro de luz que parecia pairar no ar da cidade. Um pequeno pedaço do céu na terra. A imponente catedral. Toda iluminado por luzes verdes parecia boiar no ar. Lembrando a fé, os preceitos religiosos, a grandiosidade dos templos e dos poderes.  A imagem despertava em mim um quê de culpa, uma sensação de pequenez e de nada saber sobre os mistérios da eternidade. Linda, estupendamente linda! Estive ali mais cedo, na hora em que a decência reina, na fisionomia contida das pessoas, no recato dos poucos movimentos, na hora da missa. Mas aquela hora já passou, agora é hora da festa, dos movimentos não contidos, de rasgar um pouco o recato. De romper algumas barreiras.

O enorme edifício lá estava, e todos aqueles que participaram da celebração agora dormiam ou estavam assim como eu indo para a festa. Era  o outro lado da vida, primeiro o contido, o comportado, o religioso, agora o profano, o aventureiro.

E o movimento continuava. Carros e pessoas,  um zumzum que aumentava ao chegar perto do parque de exposições.  Passavam todos agitados, gritando, cantando, ouvindo alto as músicas pelos toca fitas dos carros. Um motel no caminho era a parada de alguns deles. Música, festa, bebidas sexo, cada um com sua ilusão. Todos esperam alguma coisa de um sábado à noite, como dizia aquela velha canção.

Eu andava e de vez em quando olhava para traz.

 

 

Não conseguia deixar de olhar para as luzes verdes muitos   brilhantes que  fazeiam destacar aquele tesouro arquitetônico,  sobre todas as outras construções da cidade. Aquela imagem parecia unir dois mundos. De um lado a alegria, a festa e a aventura, a vontade louca de abraçar a vida e usufrui de todas as suas possiblidades rompendo todas as barreiras. Uma postura que fecha os olhos da consciência para o lado sombrio do existir, para o fim, para a decadência e para as verdades escondidas e amarradas Lá no fundo do âmago. Do outro, a ideia ruim que escapa e vem incomodar. Essa festa acaba, essa alegria acaba, tudo tem um fim. Tudo é ilusão. Fumaça que se perde no ar.

A construção iluminada imponente,  com todas as suas torres apontando para o céu escancarou-me os extremos da existência. As forças paradoxais que coexistem e são ambas verdadeiras. Lados opostos do existir

Fui andando e olhando para aquele espectro na noite

Depois da festa, voltando pelo mesmo caminho, ela ainda estava lá, mais uma vez me mostrando no silencio da madrugada, depois da reza e da festa, que a vida continuava e o eterno rosário repleto de contas do bem e do mal, seria ainda rezado por mim em muitas outras ocasiões.

Dois mundos distantes e ao mesmo tempo tão proximos. Quem sabe até um necessite do outro para existir. 

A noite seguia seu curso...

Enquanto me foi possível olhei para aquela igreja. Grande, iluminada, imponente e reveladora. Espectro de luz e de verdades que pairava ao longe, como que  boiando no ar,  na beleza triste e silente da madrugada.

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