O que é a morte? Que força é essa que nos joga ao chão? O maior de todos os mistérios? Quem morre vira santo? A morte cria qualidades nas pessoas? Porque exaltamos coisas e acontecimentos que minutos antes do falecimento não tinham a menor importância para nós? Será que a falsidade que nos rodeia, a exaltação do ego que nos faz aproveitar esse momento para pavonearmo-nos com belos discursos vazios? Perguntas... perguntas...
É difícil responder a qualquer
pergunta referente à morte. Pois ela, essa abominável senhora da foice é a mais enigmática de todas as damas. Ela é a
personificação do mistério. A guardadora
zelosa dos maiores segredos. Os segredos do lado de lá. Só através do seu
abraço conheceremos o lado de lá. E o lado de lá enquanto estamos do lado de cá
existe apenas na nossa imaginação.
Ninguém sabe nada. Mistério total. É o motivo de inúmeras indagações e de uma enorme lista de
perguntas feitas pela humanidade ao
longo de toda a sua existência. Nosso
encontro com ela está marcado, sabemos que vai acontecer, mas fugimos de suas
garras de todas as formas possíveis. Por isso as perguntas acima como todas as
demais relacionadas a essa cruel ceifadora são difíceis de responder, mas vou divagar
um pouco sobre isso.
Não acredito que ninguém vire
santo porque faleceu. Não é isso que acontece. Acredito que a morte da forma mais contraditória possível
vem despertar, fazer renascer em nos a vida da alma, morta pelas contingências
da vida. E tal qual um farol nos faz acordar de um sono letárgico e alienante.
Percebemos coisas, descobrimos coisas que pensávamos não saber, mas sabemos.
Entendemos a brevidade da existência e salientamos as qualidades daquela
pessoa. Qualidades existentes, não criadas. Ela toca lá no fundo e nos faz lembrar a
importância de se dar importância aos momentos simples do dia a dia e a
valorizar tudo o que temos. Quem já não vou ouviu em um velório cochichos e lamentos sobre a
constatação da pequenez da nossa existência. Por todos os cantos pode-se ouvi as frases: –Não valemos nada. Vamos aproveitar o hoje, Valorizar
o que temos. E coisas assim...
Recuperamos naquele momento valores esquecidos e ignorados. Muitas pessoas
após perderem um ente querido se voltam para a família. Passam a conviver
melhor com os que ficaram e mudam seu comportamento. Outros passam a cuidar
mais da saúde. E outros infelizmente não resistem ao choque direto com a
efemeridade e desmontam na mais profunda depressão.
Mas a cruel ceifadora é capaz de
fazer o tempo voltar. Como num passe de
mágica a dama da foice nos mostra o quanto cada momento foi importante e o
quanto gostávamos daquela pessoa. Ela nos toma pela mão e nos leva até aquele festivo
almoço de domingo ouvindo o burburinho,
os risos alegres, as brincadeiras. Também nos conduz até aquelas cenas perdidas na infância com todo o
seu encanto. Faz-nos sentir de novo a quentura do colo, a suavidade do carinho,
a doçura do beijo, a ternura do olhar. Com um sorriso sarcástico a mulher da
foice nos conta que gostávamos muito do cheiro daquela pessoa, do estilo dela,
da forma de se vestir, do temperamento, de todas as suas qualidades e até mesmo
dos defeitos. Põe outra vez diante de nós
a beleza viva daquele semblante, os movimentos, o jeito único de ser. Ela puxa
a cadeira e nos faz sentar na varanda e ouvir de novo aquele timbre único e
inigualável de voz. E ouvir aquele bordão de estimação, aquela história contada,
esquecida e repetida, repetida... Faz-nos ver
quanto aquele gesto e aquela atitude
eram importantes para nós. E de novo, levados pelas suas mãos
esqueléticas lá estamos naquele aniversário,
naquele natal de luz, na festa do ano novo ,no almoço de domingo na casa da vovó, no passeio à praia...curtindo
aquela pessoa e vendo o quanto de vida transbordou sem percebermos. Conta-nos até que gostávamos sem saber daquele
tique nervoso, daquela mania estranha, daquele jeito de falar ou daquelas
atitudes. Então tudo era importante? Faz-nos ver que existia muita vida onde
pensávamos existir apenas o dia a dia.
Não elas não criaram qualidades após a morte,
apenas nos lembramos de que elas existiram.
A morte vem nos acordar. É o despertador que nos acorda da nossa
letargia, da nossa pequenez diante da importância da vida, dos momentos vividos
e da pessoa que se foi. Ela nos mostra caminhos e nos faz ver que apesar de
efêmera e pequena (Contradição pura. Paradoxo total.) a vida é grande e deve
ser vivida de forma plena com outro olhar, com a valorização de todos os pequenos
momentos do existir, com a exaltação do que melhor existe em quem está do nosso
lado na caminhada.
Mas é assim que a coisa funciona. Responder as
perguntas sobre ela jamais conseguiremos, fugir do corte afiado de sua foice, de
forma alguma, mas viver de verdade enquanto ela não vem podemos tentar.
Ouso dizer que a morte é vida e
ensina a viver e penso nas toneladas de contradições existentes nessa frase.
Veja a todos como se fossem defuntos.
Meu Deus que coisa estranha de se dizer? Nem acredito que escrevi isso, mas o
raciocínio é. Olhe para o vivo com o
mesmo olhar. Olhe para quem está do seu lado e pense: como eu viria essa pessoa
aqui do meu lado, o que ela seria para mim se ela não mais estivesse aqui? Ela está.
Amar mais, tocar mais, sentir
mais, olhar mais em volta, a vida acontece agora. Viver de verdade. A
morte ensina