quarta-feira, 14 de outubro de 2020

INTROVERSÃO

 Timidez e introversão, a eterna dúvida. Introversão é um assunto controverso. E muitas pessoas confundem com timidez. Mas na verdade são duas coisas distintas embora os comportamentos muitas vezes possam ser semelhantes. Um tímido pode ser também introvertido, mas a introversão é mais um traço de personalidade e a timidez está mais relacionada ao medo. A timidez quase sempre é adquirida, produto de algum trauma ou algum acontecimento marcante que levou a pessoa a ter receio do contato com os outros. A introversão é a maneira de ver o mundo. Introversão é jeito de ser.

Durante muito tempo me senti mal por ser introvertido justamente por não saber fazer essa diferença. Quis combater algo que era parte de mim, traço da minha personalidade e que não deveria ser combatido jamais. Porque é muito difícil você lutar contra o seu próprio jeito de ser. Temos traços naturais que devem ser respeitados e mais que isso, usados a nosso favor. Existem nesses traços qualidades que devem ser exaltadas e valorizadas. Isso é muito importante. Quando aprendemos a respeitar nosso jeito de ser e usa-lo a nosso favor as somos muito mais felizes e realizados. Lutar contra o seu jeito de ser é remar contra a maré, tentar tapar o sol com a peneira, etc... Poderia usar mil clichês, mas a verdade é que negar seu jeito de ser é ir  contra você mesmo. O melhor caminho é aceitar-se como é. E foi o que eu fiz depois de muitos anos de sofrimento e insatisfação comigo mesmo.

Mas a vida é assim, a gente vai aprendendo a medida que as coisas vão acontecendo  vamos tirando conclusões daqui e dali. Eu aprendi aos poucos a me aceitar do jeito que sou.

 Em 2013 conheci a obra o Poder do Quietos de Susan Cain. O livro faz uma análise profunda sobre a introversão e suas características. Ali pude conhecer alguns conceitos específicos, bem como saber de  experiências feitas na área e conclusões a que elas chegaram. Uma dessas experiências foram feitas por kagan com crianças altamente sensíveis. Ele provou que antes d qualquer influencia do meio social algumas crianças são naturalmente mais sensíveis e reagem de forma mais aguçada a estímulos externos.  Após conhecer mais sobre o assunto  pude perceber que uma grande parte do meu comportamento que eu considerava defeito na verdade era apenas traço de personalidade. Eu não deveria me condenar por ser como sou. O livro exalta o valor da personalidade introvertida que no nosso mundo ocidental sempre foi visto com maus olhos. Por aqui a exigência é ser comunicativo falante, como se isso fosse  garantia de sucesso e prova de inteligência e vivacidade.  Susan ressalta também a velha guerra entre os descolados e nerds onde um comportamento é tido como saudável proveitoso e o outro como uma negação, algo a ser execrado e banido. O livro mudou o meu conceito e me fez entender que cada um é de um jeito e não temos que nos adequar às exigências do meio social. No mundo oriental é o contrário  o introvertido é visto como introspectivo pensador e valorizado. Seu jeito é aceito e até admirado por todos.  Questões culturais à parte o importante é sermos  nós mesmos  sem culpas ou receios.     

No livro a autora descreve algumas características do introvertido. São elas: gostar de voltar-se para dentro, isso remonta a Carl Young que elaborou a teoria das personalidades e nessa teoria ele afirma que o introvertido tem o movimento de fora para dentro, como se ele pegasse o mundo fora de si e o trouxesse pra dentro enquanto o extrovertido tem o mundo de dentro para fora. O introvertido interioriza o mundo fora de si, o extrovertido exterioriza o mundo dentro de si. O introvertido tem a tendência  para meditar pensar, refletir  muito sobre as coisas. Não gosta de aglomeração. Se sente cansado depois de um longo colóquio. Isso lembra também a curiosa teoria das baterias. Uma comparação feita entre  a energia interna de cada pessoa e as baterias dos celulares. Uma analogia que está bem focada na nossa realidade digital.  O extrovertido quando está só sente sua energia interna fraca, então precisa de movimento, de estar em um grupo, falar, jogar para fora o que sente  para recarregar suas energias. O introvertido ao contrario sente sua energia minar na presença de muitas pessoas e muito  agito, então precisa de momentos a sós para fazer a recarga.

Introvertidos gostam de solidão, de ler, de meditar, de conversas intimas e profundas. Não curtem falar de trivialidades nem fazer fofocas. Tudo o que ouve o faz refletir. Em poucos segundos interioriza a fala e tira dela mil conclusões. Nunca fica numa coisa só, não tem aquela opinião formada e nem verdades absolutas. Quando ouve alguma coisa precisa mastigar aquilo dentro de si comentar somente quando tiver certeza, portanto é compreensível que seja assim tão fechado. Ele vive um mundo interno vibrante, uma mente movimentada,  embora pareça que tudo está sempre calmo dentro de si.

O livro trata de vários assuntos relacionados e poderia destacar algumas coisas que  além dessas citadas nos paragrafas anteriores também me chamaram a atenção, como por exemplo a teoria do traço livre, onde uma pessoa por necessidade ou por um objetivo especifico pode agir fora do seu traço natural de personalidade. Apesar de a autora ressaltar certa resistência que temos a isso por questões filosóficas intrínsecas demonstra através de diversos exemplos que  realmente é possível um introvertido por exemplo, agir por alguns minutos como extrovertido e até enganar a muitos. O que me faz pensar que temos dentro de nós uma diversidade de conhecimentos sobre a natureza humana. Somos um pouco de cada coisa e por que não usar isso a nosso favor?

Aprendi que reagimos por medo quando o lado mais primitivo do nosso cérebro a amigdala nos dita regras e conceitos, reage trazendo o medo  diante de diversas  situações quando os acontecimentos acionam gatilhos mentais associados a coisas negativas já vividas. E que temos o outro lado, o lado evoluído, racional o córtex pré-frontal, através deles podemos direcionar de forma consciente e racional  nossas ações e superar algumas situações difíceis. O velho e batido conceito da nossa ancestralidade e seus aparatos de fuga e enfrentamento da realidade, sendo a nós oferecidos através da fantástica máquina que é o nosso cérebro.

Poderia ficar aqui falando dias e dias sobre as preciosidades do livro, mas prefiro que leiam e possam assim  nos conhecer um pouco mais.

Conhecer a si mesmo é uma grande aventura

Espero que as pessoas com o tempo e através de obras maravilhosas como essa, consigam entender mais os introvertidos. Que aos poucos sejamos mais aceitos e acolhidos, pois fazemos parte desse todo que é a diversidade humana e qualquer classificação negativa se dá pela ignorância e pela nefasta cultura ocidental que não consegue entender nosso jeito de ser. Temos nosso valor.  Cada ser humano é um universo, uma unidade humana independente que não pode ser  comparada com nenhuma outra. As características da personalidade devem ser vistas não como certas ou erradas, mas como únicas e que de uma forma ou de outra contribuem para o todo. Temos grandes extrovertidos na historia e grandes introvertidos também. Não existe uma fórmula certa nem errada de ser, cada um com seu jeito pode fazer a diferença no mundo.    E  essa mania que temos de ficar julgando e classificando tudo é o que atrapalha. A diversidade é o que dá colorido ao mundo. Se todos fossem iguais, que graça teria?  Sendo assim o introvertido tem seu lugar e pode conviver sem culpas nem restrições.  

Já tive vergonha, mas hoje tenho orgulho em ser um introvertido.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

 Neste site,  um pouco da carreira literária de Múcio Ataide, seguindo o caminho das letras para  brindar a vida e descobrir seus encantos e...