quinta-feira, 28 de julho de 2022

TORVELINHO

 A vida tem cores

Espinhos flores

Opostos e vizinhos

 

deliciosos odores

fétidos bolores

 Água e vinho

 

Pode trazer  dores

Ódios e  amores

Confuso torvelinho

 

Regozijos e  horrores

Vivendo entre valores

Diversos nos caminhos

sábado, 23 de julho de 2022

IR ALÉM

 Ninguem imagina

o que se passa aqui

as voltas que essa cabeça dá

as ideias e as maquinações

nem os absurdos que faço

levado pela mão 

conduzido pela mão

dessa louca chamada imaginação

Ririam com certeza 

Mas o que se há de fazer

se a fantasia faz armadilhas

me faz de presa 

vontade de viver

sonhos que não se contêm

desejo de ir além 

não sei explicar

as explosões de loucuras

nessa longa louca e eterna procura

de vida, vida em plenitude, vida além

dos conceitos valores e convenções

que fazer se sou assim 

talvez seja assim até o fim 

quarta-feira, 20 de julho de 2022

QUINTAIS DE SEMPRE

 Assim como Manoel

Eu também vasculho os quintais

Os meus quintais.

Os quintais de sempre

Cato os tesouros por lá  deixados.

De short, de  chinelas havaianas

Tento eu refazer o caminho

Ser o menino sem destino

Cavando tesouros do chão.

Da terra fofa, vermelha.

Me sujando  todo

Me penduro nos cipós da mata do Tarzan

Voo sem asas e sem nenhum mecanismo

Giro uma lata vazia de goiabada nas mãos

É o volante do meu fusquinha

Faço da tampa da caneta uma nave espacial

E de um objeto quadrado qualquer o manche

Ainda vejo os aviões passarem baixinho por aqui.

Faz de conta que ainda tem pé de manga.

Faz de conta que o cachorro ainda está lá

Ainda sinto o sabor da jabuticaba

E as vezes espeto o dedo no “manacaru”

Vejo minha  mãe cantando lá da cozinha

Enquanto lava os pratos.

Meu pai ainda faz meus brinquedos agachado a um canto.

Oh quantos castelos tenho por aqui!

Um sitio encantado,  um reino lá de muito longe

Bruxos e fadas, heróis e vilões.

Tesouros, tesouros tesouros...

Quanta vida esondida brota nas terras desses quintais!  

Não, o tempo não levou

Não carregou aquele menino.

Ele ainda está por lá

E brinca de viver e sonha

E canta, e faz estripulias.

Mas hoje por tudo isso

Para manter tudo isso.

Faz a melhor de todas as brincadeiras

Para melhor sentir e melhor ver

Para ser eternamente criança

E abraçar em plenitude o viver.

Ele LÊ.

***

terça-feira, 19 de julho de 2022

LER É BOM, MAS NÃO É FÁCIL NÃO.

 Chegou à livraria e  começou a olhar as prateleiras encantada com tudo que via.  Ana Lívia era a leitura em pessoa.  Bastava olhar para ela andando igual a um zumbi em meios aos livros para perceber seu fascínio por aquele mundo.  Pegava um livro, olhava a capa, lia a sinopse, queria comprar, perguntava o preço e então desanimava. Olhava outro e o mesmo ritual se repetia.

Depois de algum tempo foi até uma prateleira dos livros antigos de literatura brasileira e conseguiu enfim achar um mais em conta.

A vontade era parar um caminhão ali na frente da loja e levar tudo. Aquele lugar parecia um castelo encantado. Um lugar mágico com milhões de mundos mágicos, aventuras, ensinamentos. Enfim era para ela um pedacinho do céu na terra.

A leitura  é algo bom, prazeroso traz conhecimento cultura, amplia a mente, nos fazer viajar por diversos mundos  e todos sabemos de suas inúmeras vantagens , mas é uma estrada às vezes tortuosa. Além do preço que está sempre fora do orçamento da gente,  o livro exige  atividade mental, raciocínio, achar o tempo para ler, aceitar ser prisioneiro das tramas e até sofrer junto com os personagens. Mas é algo maravilhoso.

Depois observou que existia num canto uma placa com os dizeres:

“PÁSSAROS TEM ASAS, HOMENS TEM LIVROS”.

Achou a frase inspiradora, mas ficou abismada com dois grosseiros  erros gramaticais  numa  frase escrita em uma livraria.  Torceu o rosto e seguiu em frente.

Logo em seguida  Ana resolveu resolver um antigo problema das leituras. A ideia surgiu naquele momento e veio como um maravilhoso insight. Foi até o setor de papelaria e começou um diálogo inusitado com a balconista.

-Moça, boa tarde.

-boa tarde

-Eu queria  clip.

-Ah desculpe  não temos aquele suporte para fazer vídeos.  

-Não espera, não é nada disso. Eu não estou falando de vídeo clipe. Eu falo de clips de papel

-Feitos de papel?

-Não. Os clipes não são feitos de papel. Papel não é a matéria prima. São usados no papel.

-De qual tipo a senhora quer.

-Na verdade eu quero clipes de plásticos. Eu quero para marcar livros, mas não quero daqueles que marcam livros.

-Deixa eu entender melhor. A senhora quer marcar ou não marcar? Que marque ou que não marque?

-Assim, eu quero marcar o livro quando estiver lendo, mas é bom que o clips  não marque o livro.

-Eu confesso que estou confusa.

Ana então começou a vasculhar sua mente tentando encontrar as palavras. Olhou em volta e os livros a inspiraram. Afinal através deles conseguimos nos comunicar melhor com as pessoas. Então mergulhou nas lembranças de  antigas leituras, trouxe o poder da palavra, a força do raciocínio e o bom ordenamento das ideias e sentiu-se segura para explicar.

-Eu quero uma caixa de clips, esses pequenos objetos que servem para prender as folhas, vou usá-los para marcar nos livros o ponto em que estou nas minhas leituras. Quero-os de plásticos porque assim eles não vão estragar os livros. Quero marcar os livros no sentido de determinar meu ponto na leitura e não quero marcar no sentido de estragar ou danificá-los. Entendeu?

-Sim. Mas infelizmente não temos. Temos clips apenas de metal.

-E esses marcam bastante né?

-Uai, a senhora não queria marcar?

-Deixa isso para lá,  eu vou anotar o número da página num caderninho.

-Tchau.

-Tchau.

LER É BOM, MAS NÃO  É  FACIL NÃO.

 

sexta-feira, 15 de julho de 2022

SINFONIA

E a maravilhosa sintonia persistia noite à fora. Com certeza era ouvida pelos  vizinhos e por quem mais passasse ali por perto.

Sinfonia da madrugada, notas soltas no ar que se prolongavam por longo tempo. Eu diria até por uma temporada inteira.

O regente era o inverno. Os instrumentos o pulmão e as cordas vocais, os músicos os ácaros. No baixo estava a rouquidão. Nos sopros as partículas de ar. Na percussão o bater do coração. Nas cordas a rinite, no solo a sinusite. Nas partituras notas graves e agudas  em melodias ora rápidas ora lentas. Título da obra: A 9ª sinfonia da alergia.

E a melodia o eterno cof cof da tosse.

***

quinta-feira, 14 de julho de 2022

TERRA FOFA

 Desequilibrou-se um pouco quando pisou naquela parte fofa da terra, ao lado da porteira. Sentiu uma fisgada e percebeu que havia torcido o tornozelo quando afundou o pé. Sentou-se num pequeno barranco ao lado da estrada e lamentou sua sorte.  Agora deveria ir para festa com o pé machucado. Ficou triste porque assim não poderia dançar e aproveitar a famosa fogueira de santo Antônio na fazenda Santa Tereza.

Todo ano Antônio dos santos, o famoso Antônio Pirica, sertanejo valente e amansador de burro bravo visitava aquele lugar. Adorava as festas de  fogueira e se divertia bastante. Morava só numa pequena tapera e sua vida era um pouco sem graça. Não existia muita diversão por ali, então quando chegava o mês de junho e a época das fogueiras era motivo de grande animação. Ia a todas e aquela da Santa Tereza era a mais famosa. Vinha gente de longe para os festejos.

Levantou-se devagar maldizendo a vida. –Que droga!Qual foi o idiota que fez esse buraco aqui perto da porteira? Só para a gente machucar. Agora nada de dança. A festa acabou para mim.

Apesar das mil pragas proferidas entrou na fazenda e aproximou-se do local da festa. Já estava começando.

A bandeira  de santo Antônio estava colocado sobre a mesa da sala e o dono da casa já começava a puxar o terço. Antônio procurou logo uma cadeira num cantinho do terreiro, pois  o pé latejava e precisava descansá-lo. Tentou concentrar-se na reza e esquecer o triste ocorrido. Prosseguiu-se assim uma profusão de Ave Marias e Padre Nossos. Havia gente, na sala, na cozinha no terreiro, todos contritos e orantes, mas pensando na fogueira e nas coisas que viriam depois.

Logo após o terço o dono da casa pegou o maestro e todos o acompanharam. A procissão seguiu pelo quintal, deu a volta por trás de dois pés de manga e se dirigiu para o local onde seria erguido o mastro. Antônio seguia devagar, mancando,  tentando não pisar forte no chão.

Olhou para o lado e viu algo que por alguns momentos amenizou sua dor. Uma caboclinha morena, vestida com os trajes típicos das festas juninas, um vestido de chita, com alguns remendos, laço de fita num cabelo com longas tranças, algumas pintinhas na cara. E uma graciosidade que o prendeu na primeira olhada. A moça olhava para ele  e sorria de forma encantadora. Sentiu-se logo atraído por ela.

 Ele queria continuar acompanhando  a procissão, mas o pé doía muito então voltou para junto da casa sentou-se a um canto  e ficou apenas  observando.

A procissão seguia com as rezas serpenteando pelo quintal.

Escolheu um lugar onde puder observar a moça e a partir daquele momento ela tornou-se a estrela da festa. A fogueira que acendeu seu coração. De vez em quanto seus olhares se cruzavam e sentia-se muito feliz por causa disso. Nesses momentos até esquecia as dores do pé.

Depois de algum tempo tudo mudou e no lugar da reza veio a alegre cantoria.  A tradicional cantiga do não bambeia não, já dava um novo clima àquele encontro, uma aura mais profana invadiu o ambiente e a sisudez foi aos poucos sendo substituída pela alegria e irreverência.

Sob as notas alegres da mesma canção a bandeira foi colocada no longo pedaço de bambu que estava ali no chão do terreiro esperando sua vez de brilhar. O bambu, que tinha o garboso codinome de mastro foi levantado e sua base colocada sobre um buraco na terra. Logo em seguido cobriram de terra fofa o que restou do buraco em volta do mastro.  A turma animou-se ainda mais quando o mastro foi erguido. A velha cantina aumentou de volume e os versos engraçados se multiplicaram. Começaram a socar a terra com pedaços de paus para firmar o mastro e o povo continuava cantando:

 

Depois foi uma festa só. Os fogos de artifício riscavam o céu, adicionado a ele algumas  estrelas e fazendo a noite ainda mais bela.

Bombinhas, rojões, balões pelo céu, trouxeram ao ambiente uma profusão de ruídos e cores num maravilhoso festival de belezas e encantamento.

Ouviu-se um ruído agudo, como se um foguete passasse em alta velocidade no meio do povo, era o que se chama de castelo, alguém acendeu um rojão e esse, em alta velocidade, acendeu vários outros, por onde passou deixou um rastro de explosão e de luz. Tudo encadeado.  Seu trajeto culminou na fogueira acendendo-a, e  ofertando  aos visitantes um grande espetáculo de cores e sons. Logo em seguida o céu se iluminou ainda mais, mais uma coleção de estrelas iluminando a linda noite. Uma cascata de luz caía sobre o terreiro. E a noite ficava cada vez mais quente pelo fogo e pela animação do povo.

Depois começou o arrasta pé. Sanfoneiros e violeiros espalhados pelo terreirão batido animavam a festa enquanto a turma dançava um delicioso forró.

As peneiras com biscoitos, pipoca e outras iguarias típicas das festas passavam para lá para cá.

A canjica e o quentão eram os parceiros da fogueira na dura missão de esquentar a noite de junho.

A festa animada e Antônio um pouco emburrado no canto. Queria dançar, brincar, conversar mais com as pessoas, mas aquela dor no pé não permitia. Maldita hora em que foi pisar naquela terra fofa.

O único consolo era olhar para aquela moça bonita que também não tirava os olhos dele. Seus olhos eram dois pedacinhos de ouro, dois pequeninos favos de mel, que brilhavam mais que a fogueira e esquentam seu ânimo.

Percebeu que ela se afastou um pouco e foi atrás. Era sua oportunidade para ficar a sós com a bela garota e conversar com ela.

Foi mancando até o outro lado do terreiro onde ela estava sentada em um banco de toco. Aproximou-se devagar para não assustá-la.

-Boa noite. Algum problema moça. Você está sentindo mal? Notei que deixou a festa de repente.

-Boa noite. Não é isso, é que me deu vontade de  sair um pouco do tumulto e olhar um pouco para o céu. Olha como a noite bonita!

-Sim, uma linda e fria noite de junho. Com uma bela lua cheia clareando os caminhos, as estradas, e fazendo com que a noite  pareça dia. A misteriosa e exuberante senhora das noites que paira sobre os prados e campinas. Solitária dama que vai espalhando beleza e encanto por onde passa. E as estrelas que se perdem no infinito são pequenos diamantes raros. Só não são mais belos que os seus olhos.

-Vejo que o senhor é um poeta e sabe falar coisas bonitas.

-Sua beleza me inspira... mas estamos conversando e eu ainda não sei seu nome

-Muito prazer eu me chamo Rita, mas todos me chamam por aqui de Ritinha.

-Prazer, eu sou Antônio.

-Eu notei durante a festa que o senhor estava mancando. O que aconteceu?

-Ah foi um acidente. Quando chegava por aqui pisei numa terra fofa do lado da porteira.  E torci meu tornozelo.

A moça deu uma pequena risadinha e falou de forma muito graciosa

-Bem, eu posso ajudá-lo. Tenho ali em casa um preparado com arnica e alguns outros ingredientes que são ótimos para esse tipo de contusão.

-Eu ficaria muito grato.

Ela então foi até a casa onde morava, trouxe o preparado, pediu a ele que tirasse a bota e com todo o carinho esfregou o liquido na região contundida, fazendo uma leve, e ousada massagem.

Depois ficou movimentando o pé dele torcendo e puxando enquanto o rapaz sentia ao mesmo tempo dor e prazer.

E o resto da noite foi só alegria. Conversa, dança e encantamento. Alguns são fisgados pelo coração, outros pelo pé.

Ritinha sentiu o sonho desabrochar em suas mãos quando ele prometeu voltar ali no dia seguinte para visitá-la.

Aquele estava fisgado e fisgado pelo pé.

 Nascia ali a promessa de uma vida nova e feliz.

 

No outro dia bem a moça toda sorridente foi até a porteira levando consigo uma pequena pá. Cavou a terra fofa e desenterrou o pobre do santo Antônio. Limpou a terra que estava sobre a imagem a abraçou, um abraço forte que significou ao mesmo tempo um pedido de perdão e um agradecimento. Colocou a terra no lugar, pôs uma pedra em cima para que ninguém mais se machucasse. Isso já não era mais necessário. E voltou para casa abraçadinha com o santo.

Salva Santo Antônio o Santo casamenteiro.

 

 

quarta-feira, 13 de julho de 2022

PRISIONEIROS

Olhou em volta e viu as fortes grades. Não podia sair, estava enredado naquele lugar. Uma pequena sela apertada, claustrofóbica, muito assustadora.

O ar lhe faltava!

Olhou mais além e viu a forca. Numa fração de segundos viu aquele amontoado de cordas vindo para cima dele. O nó estava ali em seu pescoço e alguém estava apertando.  Estava sendo sufocado, quase não conseguia mais respirar.

Olhou em outro  canto e viu um torno. De repente sua cabeça estava presa a ele e novamente sentiu aperto. Alguém girava aquela roda e a cabeça foi sendo comprimida pelas duas partes da ferramenta. Pressão na cabeça que quase fazia os miolos saírem pelo ouvido.

De repente todo o corpo estava sendo apertado. E os ossos esmagados. 

Ficou zomzo. Quase perdeu os sentidos.

Era submetido a mais cruel das torturas.

Agitou-se desesperou-se, se debateu. Seus olhos ficaram molhados, suas roupas também. Sentiu que estava com febre. Começou a tossir sem parar, talvez essa fosse uma forma de expelir de dentro de si todo aquele horror. Sentiu as piores sensações. Quase morreu naquele instante.

Depois acalmou-se.

Olhou em volta e percebeu que o cenário terrível era apenas o seu quarto . Os terrores, os sintomas de uma falsa  covid.

 Prisioneiro da mente e seus cenários fantasmagóricos, todos somos.  

terça-feira, 12 de julho de 2022

FOICE CRUEL.

 Morte, dama que  assusta

sorrateira e hábil gata 

do nada ela dá o bote 

vem, toma,  arrebata

Já dizia Suassuna

como rebanhos de um redil 

estamos todos caminhando

passo a passo  andando

rumo à sua foice cruel e vil. 




 Neste site,  um pouco da carreira literária de Múcio Ataide, seguindo o caminho das letras para  brindar a vida e descobrir seus encantos e...