A vida tem cores
Espinhos flores
Opostos e vizinhos
deliciosos odores
fétidos bolores
Água e vinho
Pode trazer dores
Ódios e amores
Confuso torvelinho
Regozijos e horrores
Vivendo entre valores
Diversos nos caminhos
A vida tem cores
Espinhos flores
Opostos e vizinhos
deliciosos odores
fétidos bolores
Água e vinho
Pode trazer dores
Ódios e amores
Confuso torvelinho
Regozijos e horrores
Vivendo entre valores
Diversos nos caminhos
Ninguem imagina
o que se passa aqui
as voltas que essa cabeça dá
as ideias e as maquinações
nem os absurdos que faço
levado pela mão
conduzido pela mão
dessa louca chamada imaginação
Ririam com certeza
Mas o que se há de fazer
se a fantasia faz armadilhas
me faz de presa
vontade de viver
sonhos que não se contêm
desejo de ir além
não sei explicar
as explosões de loucuras
nessa longa louca e eterna procura
de vida, vida em plenitude, vida além
dos conceitos valores e convenções
que fazer se sou assim
talvez seja assim até o fim
Assim como Manoel
Eu também vasculho os quintais
Os meus quintais.
Os quintais de sempre
Cato os tesouros por lá deixados.
De short, de chinelas
havaianas
Tento eu refazer o caminho
Ser o menino sem destino
Cavando tesouros do chão.
Da terra fofa, vermelha.
Me sujando todo
Me penduro nos cipós da mata do Tarzan
Voo sem asas e sem nenhum mecanismo
Giro uma lata vazia de goiabada nas mãos
É o volante do meu fusquinha
Faço da tampa da caneta uma nave espacial
E de um objeto quadrado qualquer o manche
Ainda vejo os aviões passarem baixinho por aqui.
Faz de conta que ainda tem pé de manga.
Faz de conta que o cachorro ainda está lá
Ainda sinto o sabor da jabuticaba
E as vezes espeto o dedo no “manacaru”
Vejo minha mãe cantando
lá da cozinha
Enquanto lava os pratos.
Meu pai ainda faz meus brinquedos agachado a um canto.
Oh quantos castelos tenho por aqui!
Um sitio encantado,
um reino lá de muito longe
Bruxos e fadas, heróis e vilões.
Tesouros, tesouros tesouros...
Quanta vida esondida brota nas terras desses quintais!
Não, o tempo não levou
Não carregou aquele menino.
Ele ainda está por lá
E brinca de viver e sonha
E canta, e faz estripulias.
Mas hoje por tudo isso
Para manter tudo isso.
Faz a melhor de todas as brincadeiras
Para melhor sentir e melhor ver
Para ser eternamente criança
E abraçar em plenitude o viver.
Ele LÊ.
***
Chegou à livraria e começou a olhar as prateleiras encantada com tudo que via. Ana Lívia era a leitura em pessoa. Bastava olhar para ela andando igual a um zumbi em meios aos livros para perceber seu fascínio por aquele mundo. Pegava um livro, olhava a capa, lia a sinopse, queria comprar, perguntava o preço e então desanimava. Olhava outro e o mesmo ritual se repetia.
Depois de algum tempo foi até uma prateleira dos livros
antigos de literatura brasileira e conseguiu enfim achar um mais em conta.
A vontade era parar um caminhão ali na frente da loja e
levar tudo. Aquele lugar parecia um castelo encantado. Um lugar mágico com milhões
de mundos mágicos, aventuras, ensinamentos. Enfim era para ela um pedacinho do céu
na terra.
A leitura é algo bom,
prazeroso traz conhecimento cultura, amplia a mente, nos fazer viajar por
diversos mundos e todos sabemos de suas
inúmeras vantagens , mas é uma estrada às vezes tortuosa. Além do preço que está
sempre fora do orçamento da gente, o
livro exige atividade mental, raciocínio,
achar o tempo para ler, aceitar ser prisioneiro das tramas e até sofrer junto
com os personagens. Mas é algo maravilhoso.
Depois observou que existia num canto uma placa com os
dizeres:
“PÁSSAROS TEM ASAS, HOMENS TEM LIVROS”.
Achou a frase inspiradora, mas ficou abismada com dois grosseiros
erros gramaticais numa
frase escrita em uma livraria. Torceu
o rosto e seguiu em frente.
Logo em seguida Ana
resolveu resolver um antigo problema das leituras. A ideia surgiu naquele
momento e veio como um maravilhoso insight. Foi até o setor de papelaria e
começou um diálogo inusitado com a balconista.
-Moça, boa tarde.
-boa tarde
-Eu queria clip.
-Ah desculpe não
temos aquele suporte para fazer vídeos.
-Não espera, não é nada disso. Eu não estou falando de vídeo
clipe. Eu falo de clips de papel
-Feitos de papel?
-Não. Os clipes não são feitos de papel. Papel não é a matéria
prima. São usados no papel.
-De qual tipo a senhora quer.
-Na verdade eu quero clipes de plásticos. Eu quero para
marcar livros, mas não quero daqueles que marcam livros.
-Deixa eu entender melhor. A senhora quer marcar ou não
marcar? Que marque ou que não marque?
-Assim, eu quero marcar o livro quando estiver lendo, mas é
bom que o clips não marque o livro.
-Eu confesso que estou confusa.
Ana então começou a vasculhar sua mente tentando encontrar
as palavras. Olhou em volta e os livros a inspiraram. Afinal através deles conseguimos
nos comunicar melhor com as pessoas. Então mergulhou nas lembranças de antigas leituras, trouxe o poder da palavra, a
força do raciocínio e o bom ordenamento das ideias e sentiu-se segura para
explicar.
-Eu quero uma caixa de clips, esses pequenos objetos que
servem para prender as folhas, vou usá-los para marcar nos livros o ponto em
que estou nas minhas leituras. Quero-os de plásticos porque assim eles não vão
estragar os livros. Quero marcar os livros no sentido de determinar meu ponto
na leitura e não quero marcar no sentido de estragar ou danificá-los. Entendeu?
-Sim. Mas infelizmente não temos. Temos clips apenas de
metal.
-E esses marcam bastante né?
-Uai, a senhora não queria marcar?
-Deixa isso para lá, eu vou anotar o número da página num
caderninho.
-Tchau.
-Tchau.
LER É BOM, MAS NÃO É FACIL NÃO.
E a maravilhosa sintonia persistia noite à fora. Com certeza era ouvida pelos vizinhos e por quem mais passasse ali por perto.
Sinfonia da madrugada, notas soltas no ar que se prolongavam
por longo tempo. Eu diria até por uma temporada inteira.
O regente era o inverno. Os instrumentos o pulmão e as
cordas vocais, os músicos os ácaros. No baixo estava a rouquidão. Nos sopros as
partículas de ar. Na percussão o bater do coração. Nas cordas a rinite, no solo
a sinusite. Nas partituras notas graves e agudas em melodias ora rápidas ora lentas. Título da
obra: A 9ª sinfonia da alergia.
E a melodia o eterno cof cof da tosse.
***
Desequilibrou-se um pouco quando pisou naquela parte fofa da terra, ao lado da porteira. Sentiu uma fisgada e percebeu que havia torcido o tornozelo quando afundou o pé. Sentou-se num pequeno barranco ao lado da estrada e lamentou sua sorte. Agora deveria ir para festa com o pé machucado. Ficou triste porque assim não poderia dançar e aproveitar a famosa fogueira de santo Antônio na fazenda Santa Tereza.
Todo ano Antônio dos santos, o
famoso Antônio Pirica, sertanejo valente e amansador de burro bravo visitava
aquele lugar. Adorava as festas de
fogueira e se divertia bastante. Morava só numa pequena tapera e sua
vida era um pouco sem graça. Não existia muita diversão por ali, então quando
chegava o mês de junho e a época das fogueiras era motivo de grande animação.
Ia a todas e aquela da Santa Tereza era a mais famosa. Vinha gente de longe
para os festejos.
Levantou-se devagar maldizendo a
vida. –Que droga!Qual foi o idiota que fez esse buraco aqui perto da porteira?
Só para a gente machucar. Agora nada de dança. A festa acabou para mim.
Apesar das mil pragas proferidas
entrou na fazenda e aproximou-se do local da festa. Já estava começando.
A bandeira de santo Antônio estava colocado sobre a mesa
da sala e o dono da casa já começava a puxar o terço. Antônio procurou logo uma
cadeira num cantinho do terreiro, pois o
pé latejava e precisava descansá-lo. Tentou concentrar-se na reza e esquecer o
triste ocorrido. Prosseguiu-se assim uma profusão de Ave Marias e Padre Nossos.
Havia gente, na sala, na cozinha no terreiro, todos contritos e orantes, mas
pensando na fogueira e nas coisas que viriam depois.
Logo após o terço o dono da casa
pegou o maestro e todos o acompanharam. A procissão seguiu pelo quintal, deu a
volta por trás de dois pés de manga e se dirigiu para o local onde seria
erguido o mastro. Antônio seguia devagar, mancando, tentando não pisar forte no chão.
Olhou para o lado e viu algo que
por alguns momentos amenizou sua dor. Uma caboclinha morena, vestida com os
trajes típicos das festas juninas, um vestido de chita, com alguns remendos,
laço de fita num cabelo com longas tranças, algumas pintinhas na cara. E uma
graciosidade que o prendeu na primeira olhada. A moça olhava para ele e sorria de forma encantadora. Sentiu-se logo
atraído por ela.
Ele queria continuar acompanhando a procissão, mas o pé doía muito então voltou
para junto da casa sentou-se a um canto
e ficou apenas observando.
A procissão seguia com as rezas
serpenteando pelo quintal.
Escolheu um lugar onde puder
observar a moça e a partir daquele momento ela tornou-se a estrela da festa. A
fogueira que acendeu seu coração. De vez em quanto seus olhares se cruzavam e
sentia-se muito feliz por causa disso. Nesses momentos até esquecia as dores do
pé.
Depois de algum tempo tudo mudou
e no lugar da reza veio a alegre cantoria.
A tradicional cantiga do não bambeia não, já dava um novo clima àquele
encontro, uma aura mais profana invadiu o ambiente e a sisudez foi aos poucos
sendo substituída pela alegria e irreverência.
Sob as notas alegres da mesma
canção a bandeira foi colocada no longo pedaço de bambu que estava ali no chão
do terreiro esperando sua vez de brilhar. O bambu, que tinha o garboso codinome
de mastro foi levantado e sua base colocada sobre um buraco na terra. Logo em
seguido cobriram de terra fofa o que restou do buraco em volta do mastro. A turma animou-se ainda mais quando o mastro
foi erguido. A velha cantina aumentou de volume e os versos engraçados se
multiplicaram. Começaram a socar a terra com pedaços de paus para firmar o
mastro e o povo continuava cantando:
Depois foi uma festa só. Os fogos
de artifício riscavam o céu, adicionado a ele algumas estrelas e fazendo a noite ainda mais bela.
Bombinhas, rojões, balões pelo céu,
trouxeram ao ambiente uma profusão de ruídos e cores num maravilhoso festival
de belezas e encantamento.
Ouviu-se um ruído agudo, como se
um foguete passasse em alta velocidade no meio do povo, era o que se chama de
castelo, alguém acendeu um rojão e esse, em alta velocidade, acendeu vários
outros, por onde passou deixou um rastro de explosão e de luz. Tudo
encadeado. Seu trajeto culminou na
fogueira acendendo-a, e ofertando aos visitantes um grande espetáculo de cores e
sons. Logo em seguida o céu se iluminou ainda mais, mais uma coleção de
estrelas iluminando a linda noite. Uma cascata de luz caía sobre o terreiro. E
a noite ficava cada vez mais quente pelo fogo e pela animação do povo.
Depois começou o arrasta pé.
Sanfoneiros e violeiros espalhados pelo terreirão batido animavam a festa
enquanto a turma dançava um delicioso forró.
As peneiras com biscoitos, pipoca
e outras iguarias típicas das festas passavam para lá para cá.
A canjica e o quentão eram os parceiros
da fogueira na dura missão de esquentar a noite de junho.
A festa animada e Antônio um
pouco emburrado no canto. Queria dançar, brincar, conversar mais com as
pessoas, mas aquela dor no pé não permitia. Maldita hora em que foi pisar
naquela terra fofa.
O único consolo era olhar para
aquela moça bonita que também não tirava os olhos dele. Seus olhos eram dois
pedacinhos de ouro, dois pequeninos favos de mel, que brilhavam mais que a
fogueira e esquentam seu ânimo.
Percebeu que ela se afastou um
pouco e foi atrás. Era sua oportunidade para ficar a sós com a bela garota e
conversar com ela.
Foi mancando até o outro lado do
terreiro onde ela estava sentada em um banco de toco. Aproximou-se devagar para
não assustá-la.
-Boa noite. Algum problema moça.
Você está sentindo mal? Notei que deixou a festa de repente.
-Boa noite. Não é isso, é que me
deu vontade de sair um pouco do tumulto
e olhar um pouco para o céu. Olha como a noite bonita!
-Sim, uma linda e fria noite de
junho. Com uma bela lua cheia clareando os caminhos, as estradas, e fazendo com
que a noite pareça dia. A misteriosa e
exuberante senhora das noites que paira sobre os prados e campinas. Solitária
dama que vai espalhando beleza e encanto por onde passa. E as estrelas que se
perdem no infinito são pequenos diamantes raros. Só não são mais belos que os
seus olhos.
-Vejo que o senhor é um poeta e
sabe falar coisas bonitas.
-Sua beleza me inspira... mas
estamos conversando e eu ainda não sei seu nome
-Muito prazer eu me chamo Rita,
mas todos me chamam por aqui de Ritinha.
-Prazer, eu sou Antônio.
-Eu notei durante a festa que o
senhor estava mancando. O que aconteceu?
-Ah foi um acidente. Quando
chegava por aqui pisei numa terra fofa do lado da porteira. E torci meu tornozelo.
A moça deu uma pequena risadinha
e falou de forma muito graciosa
-Bem, eu posso ajudá-lo. Tenho
ali em casa um preparado com arnica e alguns outros ingredientes que são ótimos
para esse tipo de contusão.
-Eu ficaria muito grato.
Ela então foi até a casa onde
morava, trouxe o preparado, pediu a ele que tirasse a bota e com todo o carinho
esfregou o liquido na região contundida, fazendo uma leve, e ousada massagem.
Depois ficou movimentando o pé
dele torcendo e puxando enquanto o rapaz sentia ao mesmo tempo dor e prazer.
E o resto da noite foi só
alegria. Conversa, dança e encantamento. Alguns são fisgados pelo coração, outros
pelo pé.
Ritinha sentiu o sonho desabrochar
em suas mãos quando ele prometeu voltar ali no dia seguinte para visitá-la.
Aquele estava fisgado e fisgado
pelo pé.
Nascia ali a promessa de uma vida nova e feliz.
No outro dia bem a moça toda
sorridente foi até a porteira levando consigo uma pequena pá. Cavou a terra
fofa e desenterrou o pobre do santo Antônio. Limpou a terra que estava sobre a
imagem a abraçou, um abraço forte que significou ao mesmo tempo um pedido de
perdão e um agradecimento. Colocou a terra no lugar, pôs uma pedra em cima para
que ninguém mais se machucasse. Isso já não era mais necessário. E voltou para
casa abraçadinha com o santo.
Salva Santo Antônio o Santo
casamenteiro.
Olhou em volta e viu as fortes grades. Não podia sair, estava enredado naquele lugar. Uma pequena sela apertada, claustrofóbica, muito assustadora.
O ar lhe faltava!
Olhou mais além e viu a forca. Numa fração de segundos viu
aquele amontoado de cordas vindo para cima dele. O nó estava ali em seu pescoço
e alguém estava apertando. Estava sendo
sufocado, quase não conseguia mais respirar.
Olhou em outro canto
e viu um torno. De repente sua cabeça estava presa a ele e novamente sentiu
aperto. Alguém girava aquela roda e a cabeça foi sendo comprimida pelas duas
partes da ferramenta. Pressão na cabeça que quase fazia os miolos saírem pelo
ouvido.
De repente todo o corpo estava sendo apertado. E os ossos esmagados.
Ficou zomzo. Quase perdeu os sentidos.
Era submetido a mais cruel das torturas.
Agitou-se desesperou-se, se debateu. Seus olhos ficaram
molhados, suas roupas também. Sentiu que estava com febre. Começou a tossir sem
parar, talvez essa fosse uma forma de expelir de dentro de si todo aquele
horror. Sentiu as piores sensações. Quase morreu naquele instante.
Depois acalmou-se.
Olhou em volta e percebeu que o cenário terrível era apenas
o seu quarto . Os terrores, os sintomas de uma falsa covid.
Prisioneiro da mente
e seus cenários fantasmagóricos, todos somos.
Morte, dama que assusta
sorrateira e hábil gata
do nada ela dá o bote
vem, toma, arrebata
Já dizia Suassuna
como rebanhos de um redil
estamos todos caminhando
passo a passo andando
rumo à sua foice cruel e vil.
Neste site, um pouco da carreira literária de Múcio Ataide, seguindo o caminho das letras para brindar a vida e descobrir seus encantos e...